KALED É O MAHDI!

www.khaledisthemahdi.rf.gd

XI. A Tragédia

1. Nossa, a pizza que o Kaled comprou estava uma delícia. Ele sabe que todos nós amamos mussarella. Todos menos o Pedro, pois ele é um fresco.

2. Enfim, assim disse o Mahdi:

3. As cobras se enrolavam no corpo do menino, em seus braços, pernas e pescoço, e lhe picavam por toda sua pele.

4. A maligna Mera Merida não alimentara as jibóias, para que assim, as jibóias se alimentassem do menino.

5. Após se enrolarem sobre o corpo do menino Kaled, uma das jibóias então começou a engolir o menino a partir de seus dois pés, e então, suas duas pernas, sua barriga, seus braços e sua cabeça.

6. Com o todo o corpo do menino no interior da cobra, foi iniciada a digestão e o menino se mantinha em silêncio, não mais vivo.

7. Fria e inexpressiva, Mera tornou a olhar para os umbrais materiais, procurando pela reação do corvo.

8. Quando se virou, porém, viu que o corvo já não mais se encontrava nos umbrais e não encontrava nada senão penas pretas de pássaro pelo chão.

9. Mera se agachou para pegar uma das penas do corvo no chão, e após observar a pena de perto, virando-a para os lados, viu a pena se queimar sozinha e sumir em cinzas e faíscas ao vento.

10. Reflexiva, Mera disse à si mesma: “Está feito”.

11. O assassinato da criança ocorreu de forma súbita e silenciosa, sem chamar a atenção dos moradores locais ou deixar pistas para trás.

12. Como se nada tivesse acontecido, Mera retorna ao aposento dos pais do falecido Kaled para descansar e planejar sua fuga.

13. Olhando para o teto, pensou em fugir para além do mar cáspio, onde poderia passar alguns dias no Turcomenistão, no Azerbaijão ou outro país com “ão” até que a poeira abaixasse e os jornais deixassem de falar sobre a morte de Kaled.

14. Aliviada, pensou consigo mesma que não havia mais necessidade de justificar a ausência de Kaled na escola, pois o menino Kaled havia sido expulso pelas professoras.

15. No dia seguinte, porém, Casper e Roxanne sentiriam grande falta de uma pessoa, e o casal não poderia lidar com uma segunda perda.

16. Mera adormeceu, acreditando sair impune de seus crimes, mas sua noite havia sido um tormento.

17. Naquela noite, seu corpo se tornou mais duro, sua cabeça mais pesada, sua respiração mais ofegante, seu colchão mais frio e seu cobertor mais rígido.

18. Em seu pesadelo, Mera se banhava em uma banheira de lava azul e sangue vermelho, em uma caverna sem oxigênio com cristais de irídio e tungstênio.

19. Emergindo nua do magma vulcânico, seus cabelos eram como cachoeiras de fogo e seus olhos tão intensos como os de betelguese e aldebarã.

20. E em sua testa, uma lágrima rubra cristalizada e reluzente, antes oculta pelo seu véu sobre seus cabelos.

21. Através dos cristais da gruta de águas termais e lavas infernais, Mera pôde se ver em diversas formas e faces, tal como espelhos lhe revelando suas duas caras.

22. Em um cristal, Mera era uma tocha que caiu em um abismo, em outro, Mera era uma fênix sob o céu estrelado.

23. Em outro cristal, Mera era uma erva daninha que danificava o plantio, em outro, Mera era um rainha de abelhas selvagens em uma oliveira.

24. Mera começou a ouvir vozes emanando dos cristais, que ecoaram e reverberaram pelas estalactites e estalagmites da gruta.

25. “Maldita, maldita”, dizia um cristal. “Bendita, bendita”, dizia outro mineral.

26. “Fragmentada”, “incompleta”, “imperfeita”, proferiam as vozes dos cristais em um dos ouvidos de Mera Merida, a megera.

27. “Bastarda”, “abandondada”, “exonerada”, proferiam outras vozes no outro ouvido.

28. “Não, nunca mais! Nunca mais!”, gritava Merida, que em um impulso de temperamento sórdido, silenciou todas as vozes da gruta, a afundando em silêncio e escuridão.

29. Um corvo entrou em seus umbrais, trazendo consigo a luz que iluminou seus aposentos infernais.

30. Não vejo o seu princípio

31. Sequer o príncipe da emanação

32. Não creio ter este sido

33. Seu grande ato de libertação

34. Irritada, Mera respondeu o corvo: “Não preciso de princípio algum, pois em mim habita a substância sagrada das emanações primordiais.”

35. O corvo então lhe diz:

36. Pobre pagã, mulher anciã

37. Iludida em tanta esperança

38. Terás consigo a glória do mundo

39. Através apenas da temperança

40. Com um grande olhar de superioridade, Mera respondeu: “Posso não falar em línguas estranhas, mas habita em mim maior riqueza espiritual do que você jamais poderia sonhar em obter.”

41. Ao dizer isso, o corvo então se transformou em um ser humanóide de sobretudo negro e botas de couro, e no lugar de uma cabeça humana, havia um cometa flamejante por onde orbitavam 7 luas, representando os 7 pecados capitais.

42. Iblis diz para Mera:

43. Como ousa subestimar

44. Ao anjo caído do discernimento?

45. Portador da luz e da verdade

46. Que lhes presenteou com conhecimento?

47. Com um olhar penetrante, Mera encarou o cometa flamejante de Iblis em desdém, inabalada e inalterada.

48. A lágrima cristalizada em sua testa então brilhava intensamente no rubro mais intenso.

49. Mera golpeia Iblis com um poderoso tapa em sua cabeça, fazendo ele bater em uma parede e cair no chão, derrotado. O som do impacto à parede rochosa ecoou pela caverna como um poderoso relâmpago, espantando morcegos que ali adormeciam e fugiram para a noite escura.

50. “Você não é um anjo”, disse Mera, “pode ter sido o queridinho de [CENSURADO], mas não passa de um djinn.”

51. Com o golpe, o cometa não estava mais em chamas, e não era nada senão uma pedra cinza e carbonizada, sem qualquer poder destrutivo.

52. Ofegante, Iblis lhe disse: “Você acha que pode me dominar, mas nenhuma força do universo pode romper o dharma de um demônio!”

53. Mera olhava para Iblis de cima a baixo, com superioridade, sabendo que, embora tentasse esconder, Iblis se sentia amedrontado e frágil.

54. “Irônico, Azazil”, dizia Mera, com um leve sorriso, “logo você, que aprisionara a humanidade em mentiras e ilusões, agora aprisionado pelo desejo dos seres humanos?”

55. Tentando se justificar, Iblis lhe disse: “Você pode não saber muito sobre isso, mas nem mesmo o príncipe das trevas rejeita as preces de uma mãe!”

56. Mera gargalhava, “Mães, mães, mães… A tal da MÃE TERRA TRÍPLICE estava certa sobre você, não passa de uma piada, uma putinha implorando por atenção, que lamentável.”

57. Mera então se ajoelhou para observar a mão de Iblis, e percebeu então que o demônio cansado tinha seus pulsos aprisionados por correntes.

58. “Que patético”, disse Mera, “se nem Semangelof pôde me impedir, como você me impediria?”.

59. Merida não teve resposta, pois Iblis se manteve em silêncio.

60. Se virando para Iblis, Mera perguntou: “estrela da manhã, o que você pediu em troca da segurança da criança?”

61. “A vida desta mesma criança”, Iblis ria, e o cometa carbonizado tossia fumaça, pois Iblis ainda estava ferido.

62. Mera balançou o dedo na frente de Iblis, enquanto balançava sua cabeça em reprovação.

63. “Quem disse que o menino é seu?”, dissera Mera, “o menino deve morrer pelos pecados do povo, é o seu dharma.”

64. Querendo zombar de Mera, Iblis lhe disse: “E o seu dharma? O que está te aprisionando?”

65. Mera, que antes sorria e desdenhava de Iblis, agora exibia uma expressão séria.

66. “Porque a sua mamãezinha estava certa, afinal”, dizia Mera, aproximando seu rosto do rosto do lorde das trevas, “da mesma forma que o mundo terreno não merece mais segundas chances, os humanos não merecem a gnosis.”

67. “Gnosis?”, disse Iblis, com uma voz trêmula.

68. “Devo recuperar minha gnosis, e só assim, retornarei à plenitude”, dizia Mera, “pois diferente de você, não minto para mim mesma para massagear meu ego e meu orgulho”.

69. “VOCÊ NUNCA SERÁ COMO DEUS!”, gritou Iblis.

70. Mera então se levanta, se virando em direção à banheira de magma onde se banhava, pronta para deixar Iblis nos seus umbrais infernais.

71. “Sabe de uma coisa, Iblis?”, disse Mera, “sinto pena de sua suprema ignorância, crê ser o portador da gnosis, pois você não a tem.”

72. Iblis olhava para Mera, derrotado e confuso.

73. “Vamos! Você pode perguntar!”, dizia Mera, mas Iblis não queria perguntar, pois era a personificação da ignorância.

74. Após segurar suas dúvidas, Iblis decidiu fazer uma pergunta, uma pergunta genuína com nenhuma outra intenção senão a de obter maior conhecimento, gnosis.

75. “Quem é você?”, disse Iblis.

76. Então Mera lhe respondeu:

77. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, disse Mera, “pois ninguém chega à [CENSURADO] senão por mim.”

78. Iblis lhe olhava, confuso, pois não compreendia o que a entidade lhe dizia.

79. De frente à banheira de magma, Mera colocou um pé de cada vez, e então se virou para Iblis.

80. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, disse Mera, “a verdade dói, a verdade machuca, em verdade vos digo”.

81. Mera Merida mergulha na banheira de magma, incapaz de lhe causar qualquer dor ou sofrimento, tal como seu pesadelo ou os umbrais infernais.

82. Mera acorda nos aposentos materiais da família dos Navid, se levantando com os cabelos cobrindo seu rosto.

83. A nefasta mulher então planeja o que fazer com o corpo do menino Kaled, o grande sacrifício para os seres humanos, mas a babá começou a ouvir uma música que vinha das escadas abaixo.

84. Mera ouvia o som de uma flauta triste e fúnebre, e rapidamente, seu coração foi tomado por frustração, pois a música lhe desagradava.

85. A babá então abriu a porta do quarto e correu pelas escadas, e indo até a origem do som, Mera encontrou o menino Kaled tocando sua flauta no jardim dos Navid.

86. Não acharam que ele tinha realmente morrido, não é? Ele é o Mahdi, oras.

87. “Oh não! Kaled, você está bem?”, disse Mera, tentando disfarçar suas intenções e demonstrando preocupação com a segurança do menino, ao ver que estava com marcas e picadas de jibóia.

88. Kaled chorava, e mesmo assim, sua música era bela e emocionante.

89. “O que você está fazendo?”, disse Mera, vendo que Kaled tocava flauta para uma caixa de sapatos que seria enterrada no jardim.

90. Terminando sua homenagem musical, Kaled lhe disse: “A cobra morreu, titia! A cobra que fez o nosso tídoto!”

91. “Kaled…”, disse Mera, “…você bebeu aquele veneno?”

92. “Era veneno?”, disse Kaled, “achei que era titígeno!”

93. Mera então se deu conta: Kaled havia bebido o veneno da cobra e, ao invés de lhe matar, matou a cobra que lhe picou, pois o feitiço se voltou contra o feiticeiro.

94. Mera também percebeu que, na caixa de sapato ao lado, onde havia a formiguinha que morreu a muitos anos atrás, cresceu uma bela flor de lótus que era visitada por beija-flores todas as manhãs.

95. “A cobra vai virar uma flor também”, disse Kaled, limpando uma lágrima, “as coisas vem da Terra e voltam para a Terra, é o ciclo da natureza.”

96. Kaled então enterrou a caixa de sapatos com a enorme jibóia, e então, se virou para ir para a sala e ler um livro.

97. “Mas é assim mesmo, agora a cobra está em um lugar melhor”, disse Kaled, sorrindo, como se nada tivesse acontecido.

98. Mera foi logo atrás, e se preparando para sua última tentativa, ela lhe disse: “Kaled, você tem medo da morte?”

99. “Não, titia, a morte tem medo de mim!”, disse Kaled, olhando inocentemente para Mera com um belo sorriso.

100. Passeando pela sala, Mera observou vários porta-retratos em cima de uma cabeceira, e vários exibiam a família Navid em seu cotidiano.

101. Um porta-retrato mostrava Casper em seu primeiro dia no jornal de Teerã, outro mostrava Roxanne em sua formatura na faculdade de jornalismo.

102. Entre os porta-retratos mais recentes, havia uma foto de Kaled em seu aniversário de 3 anos, e na foto, Mera viu um etíope, um romani e uma nepalesa.

103. Mera cerrou os olhos, mas teve sua indagação interrompida por Kaled:

104. “E você, titia? Tem medo da morte?”

105. Ainda olhando o porta-retratos, Mera lhe disse: “Não, pois eu sei que a vida eterna nos aguarda do outro lado.”

106. “Minha mãe me diz que do outro lado tem muitos doces e brinquedos!”, dizia Kaled, que ficava na ponta dos pés para pegar um livro na estante da sala.

107. “Bom… sinto lhe informar, mas não existem essas coisas no paraíso”, disse Mera.

108. “Como assim paraíso?”, disse Kaled, “a gente não vai pro paraíso, titia, a gente nasce de novo!”

109. “Faz sentido”, disse Mera, que agora olhava para o retrato de uma menina desconhecida de gorro rosa brincando na neve.

110. “Então, depois que a gente morre, a gente vira criança outra vez?”, perguntou Mera.

111. “Isso mesmo”, disse Kaled, se sentando no sofá com seu livro, “esse é o lado bom da morte, pois a gente pode ser criança de novo e de novo!”

112. Pensativo, Kaled disse: “pena que o papai e a mamãe não acreditam em mim, eles dizem que a gente não nasce de novo porque isso é errado.”

113. “Como assim errado?”, disse Mera, que começou a caminhar para detrás do sofá onde Kaled estava sentado.

114. “Tudo o que eu faço é errado para as pessoas, titia”, disse Kaled, “não posso brincar com as cadeiras e nem fazer truques de mágica, porque todo mundo diz que isso é errado.”

115. “Isso é triste”, disse Mera, que acendeu a lareira na sala de estar.

116. “Ninguém acredita em mim, só outras crianças”, disse Kaled, que não estava mais concentrado em seu livro, “por isso que eu acho que o mundo seria melhor se não tivessem adultos!”

117. “Por que você acha isso?”, dizia Mera, que só queria manter o menino falador distraído.

118. “Meu amigo imaginário me disse que os adultos sabem demais, e isso deixa as pessoas tristes”, disse Kaled, “o bom das crianças é que nós não sabemos de tudo.”

119. Iluminada pela luz das labaredas da lareira, Mera olhou para trás para se certificar de que ninguém estava lhe observando.

120. Mera não estava ouvindo, mas Kaled falava da importância em reconhecer o que não sabemos para que assim haja o discernimento do conhecimento, e mencionando sua experiência fracassada de vôo, o menino conta como foi um importante aprendizado de humildade.

121. Mera retirou então uma adaga que estava escondida em seu bolso, a virando e girando para ver se estava bem afiada, e pelo reflexo da adaga, pôde olhar seu próprio rosto, pensativo e reflexivo.

122. “Tá ouvindo, tia?”, gritou Kaled, ficando em cima do sofá para ver Mera, que rapidamente escondeu sua adaga,

123. “Desculpa, estava distraída”, disse Mera, fazendo caras e bocas.

124. E antes que a babá pudesse distrair Kaled com qualquer coisa que fosse falar, a curiosidade de Kaled se concentrou no objeto que Mera estava escondendo.

125. “O que você tem aí?”, disse Kaled, que sorria e olhava para Mera, “posso ver?”

126. “Não, você não pode!”, disse Mera, empurrando Kaled, que ria e tentava pegar o que a babá escondia em suas costas.

127. Kaled brincava uma brincadeira que a babá não queria brincar, e se irritava cada vez mais com a criança, ao perceber que seu plano não iria funcionar como o planejado.

128. O telefone da casa então começou a tocar, e sem saber o que fazer, Mera atendeu o telefone, enfiando a adaga debaixo da roupa.

129. “Alô? Mera?”, dizia Casper do outro lado da linha.

130. “Senhor Casper Navid?”, disse Mera.

131. “Como está aí em casa? Kaled já comeu? Já tomou banho? Escovou os dentes?”, dizia Casper, muito preocupado com o filho e falando com pressa.

132. “Já, já”, dizia Mera, que ainda se esforçava para afastar Kaled de perto de sua adaga, “já chega, menino!”

133. “O que está acontecendo?”, disse Casper.

134. “Nada não, estamos apenas nos divertindo”, disse Mera, disfarçando, “não é mesmo, Kaled?”

135. “Pai! A titia tá escondendo alguma coisa!”, disse Kaled, rindo muito alto.

136. “Que bom que Kaled está bem”, disse Casper, parecendo aliviado, “já estamos chegando no aeroporto e vamos chegar em casa já já.”

137. “Está falando sério?”, disse Mera, tensa.

138. “Claro, algum problema?”, disse Casper.

139. “Não! É só que a casa está uma bagunça!”, disse Mera, e então, Kaled conseguiu finalmente pegar o que Mera estava escondendo na roupa, “Kaled! Não!”

140. “Nós já estamos chegando”, disse Casper, “é melhor que já guarde -”

141. “Tá bom! Já te retorno!”, interrompeu Mera, encerrando a chamada.

142. “Que adaga bonita, titia!”, disse Kaled, que empunhava a adaga como se fosse uma espada, “parece as facas da mamãe, que ela usa pra fazer comida!”

143. “Menino, me devolva isso agora!”, falava Mera, muito agoniada.

144. “Olha tia! Eu vou ser o cavaleiro e você vai ser a bruxa!”, ria Kaled, que começou a fazer poses e apontar a adaga na direção de Mera, “en garde!”

145. Mera começou a dar para trás, tentando pedir para que Kaled lhe devolvesse sua adaga, e nesse momento, a babá viu um pássaro entrando no jardim.

146. Um corvo voou até os umbrais materiais da mansão dos Navid, deixando suas penas caírem pela sala e roubando os olhares de Kaled e Mera.

147. O corvo pousou em cima do sofá onde Kaled deixara seu livro, e olhava para Mera com reprovação.

148. “Um corvo, Mara!”, disse Kaled, que se distraiu e abriu sua guarda, “sabia que eles são muito inteligentes?”

149. “Não consegue acabar com uma criança?”, gritou o corvo, erguendo suas asas negras, “você tem medo da marca! Não tem?”

150. E sufocando o corvo, Kaled deixou a adaga no chão para lhe dar um abraço.

151. “Me larga, criança imprestável!”, gritava o corvo, “eu sou o lorde das trevas!”

152. Kaled era tão sabido que, além do farsi e do árabe, também entendia as línguas estranhas.

153. “Eu achava que o lorde das trevas tinha rabo de seta!”, disse Kaled, “mas você é bonitinho!”

154. O pequeno elogio de Kaled acabou tocando no ego de Iblis, que arrumou sua postura.

155. “Ah, claro…”, disse Iblis, envergonhado, “minha mãe sempre me disse que eu era o mais belo de todos os seres celestiais…”

156. “Minha mãe me diz a mesma coisa!”, falava Kaled, sorrindo, “ela me chama de anjinho e diz que sou o menino mais bonito que existe!”

157. Mera, que se aproveitou da conversa entre o menino e o demônio, avançou até a adaga que Kaled largou no chão, enfim a recuperando.

158. Mera então agarrou o menino pelo cachecol, sufocando seu pescoço e o arrastando pelo chão da sala, enquanto empunhava sua adaga em outra mão.

159. “Não me faça eu perder mais tempo, Kaled”, disse Mera, impaciente e ofegante.

160. “Isso! Mate o garoto!”, gritou o corvo.

161. “Matar?”, disse o pobre Kaled, ficando sem ar e sufocando com seu próprio cachecol, “por que você quer me matar, dona Mera?”

162. Mera então ergueu o cachecol, fazendo o menino ficar pendurado como uma forca e encarar a babá na mesma altura.

163. “Por que você é o nosso sacrifício! O sacrífico de [CENSURADO]!”, disse Mera, sorrindo um sorriso exausto, “você vai pagar pelos pecados da Terra!”.

164. Engasgando, Kaled perguntou: “eu não fiz nada e tenho que pagar pelo erro dos outros?”, mas não teve resposta, pois teve sua fala interrompida de forma trágica.

165. Sem mais nem menos, Mera apunhalou o menino em seu coração, fazendo ele cuspir sangue pelo chão, e fazendo seus olhos perderem a vida.

166. Mera então caminhou até a lareira da mansão, que ardia em chamas e labaredas quentes e de tormento.

167. Segurando o menino, pendurado pelo cachecol, Mera jogou o seu corpo na lareira, para que assim não houvessem rastros de sua morte.

168. Ofegante, Mera se apoiou nos joelhos e deixou sua adaga cair no chão.

169. “Você é um péssimo guardião”, disse Mera, que olhava para o corvo.

170. “Eu nunca fui um espírito de palavra”, respondeu Iblis.

171. Mera olhava fixamente para o corvo, que não conseguiu manter seu olhar fixo nos olhos de Mera, virando sua face para o lado.

172. “Você mente”, disse Mera, que foi arremessada para trás e cobriu o rosto com o braço.

173. De repente, toda a sala se encheu de cor, todas as luzes viraram sombras e todas as sombras viraram luzes.

174. Não mais ouviam qualquer tipo de som ou ruído, mas um tipo de música harmoniosa que se assemelhava ao cântico dos anjos, uma música assustadoramente bela, uma música proibida e desconhecida.

175. Assustados, ambos Mera e Iblis se viraram para a lareira.

176. E lá estava Kaled, de pé, vivo, em meio a labaredas que brilhavam em todas as cores. Seus olhos brilhavam, seus cabelos esvoaçavam à força de sua presença e flutuava ao lado de um pavão que estava ao seu lado.

177. E para variar, a estrela de oito pontas em sua testa brilhava um brilho intenso e colorido, mas além disso, Kaled segurava um livro em suas mãos, o livro que deixou em cima do sofá da sala.

178. Furiosa, Mera gritou ao vento: “Azrael! Por que não me deixa levar esta criança?”

179. Ao mesmo tempo, Kaled e o pavão moviam suas mandíbulas, que continham 365 línguas para cada um dos 365 idiomas do mundo:

180. “

181. Mera reconhecia sua voz: “Sariel?”

182. 8 asas surgiram das costas de Kaled, duas ao lado de seu rosto, duas sobre seus ombros, duas em sua cintura e duas em suas pernas, formando uma estrela de oito pontas coberta de olhos que miravam as janelas da alma de Mera.

183. “A obra prima!”, disse Iblis.

184. Lentamente, Kaled ergueu o livro em suas mãos, o colocando acima de sua cabeça, e o livro que segurava era o Avesta.

185. De olhos arregalados, Mera viu Kaled arremessar o sagrado Avesta em direção às chamas e labaredas onde se encontrava de pé, alimentando então as chamas e criando uma enorme fumaça branca que se espalhava pelo chão.

186. A fumaça densa cheirava a incenso e esfand e passava por entre as pernas de Mera, a envenenando e a enfraquecendo.

187. Kaled então abriu sua boca, e com a força de 365 línguas, gritou um som mais alto que os clamores e preces das almas que habitam as masmorras infernais e mais alto que os louvores e rezas dos corais celestiais.

188. A luz da glória da presença de Kaled pôde ser vista por todo o oriente como o brilho de uma estrela, e tal como um trovão, o som veio logo depois e pôde ser ouvido por todo o Irã.

189. O som criou uma tempestade de areia nunca antes vista na história e um abalo sísmico de 13 graus na escala Ritcher foi registrado naquele ano.

190. Toda a cidade entraria em colapso, todas as pessoas que conhecemos ao longo desse livro sagrado estariam certamente mortas e todo o Irã deixaria de existir como um todo se a glória e o poder de Kaled não fosse contido pelos 72 seres celestiais que assistiam o espetáculo.

191. Principados, potestades, domínios e virtudes circulavam os arredores da mansão dos Navid, contendo toda a grande destruição causada por Kaled dentro de sua própria morada, impedindo assim que sua fúria antecipasse o juízo final.

192. A destruição de Kaled começara então a ruir a bela e próspera mansão da família, fruto de grande trabalho dos pais ao longo dos anos.

193. Mera gritava em dor, pois a força destrutiva de Kaled era maior do que poderia ter imaginado.

194. Mas mesmo assim, lutava contra essa força e caminhava na direção do menino enquanto cobria seu rosto, como se caminhando por uma intensa tempestade de areia.

195. De forma assustadora, o menino sorria um largo sorriso, e diferente das outras vezes, seu olhar alegre não mais parecia inocente, mas um tanto maníaco e psicótico.

196. “Você teme a marca”, diziam as 365 línguas, “você teme à mim”.

197. E com um último grito de dor de Mera Merida, Kaled viu a mulher se transformar em uma estátua de sal, e tudo em sua volta começou a ruir, seu quarto, o quarto de seus pais, a sala, a cozinha, os banheiros e até mesmo parte dos aposentos dos vizinhos.

198. O anjo pavão continuava de pé ao lado de Kaled, dentro da lareira em chamas.

199. Repreendendo, seu “amigo imaginário” tocou em seu ombro, lhe dizendo:

200. Não sejas impaciente,

201. força da natureza.

202. Há de chegar o fim eminente

203. em tempos de grande avareza

204. O anjo pavão então desapareceu, e assim, Kaled controlou a sua fúria e, lentamente, suas asas se esconderam em suas costas, seus pés tocaram no chão, sua glória se dissipou e sua estrela de oito pontas deixou de brilhar, se escondendo novamente debaixo de sua derme.

205. Conforme a destruição sumia, os principados, potestades, domínios e virtudes deixavam a região.

206. “Quero minha mãe”, disse Kaled, em um último suspiro, antes de ficar inconsciente.

207. E então, toda a mansão dos Navid desabou por cima da cabeça da criança, que desmaiou de exaustão. Não havia mais sala, quarto, cozinha, banheiros ou jardim, nada além de concreto armado e poeira.

208. Por cima dos escombros, em meio a enorme nuvem de poeira que se formara, o corvo retornou ao que restou dos umbrais materiais, pousando sobre o entulho de pedras.

209. Após cutucar o entulho com seu bico, o corvo encontrou então um monte de sal que se espalhava ao vento, e ao observar o sal desaparecendo, viu uma lágrima vermelha cristalizada sendo revelada por debaixo do monte de sal.

210. Sem deixar satisfações, Iblis capturou a lágrima vermelha com seu bico de corvo, voando para longe dos escombros ao ouvir um carro se aproximando do local.

211. 3 vultos encapuzados desceram do carro, e amedrontados, foram até os escombros para procurar pelo menino Kaled, gritando por seu nome.

212. Todas as figuras se apressaram a desenterrar o entulho para buscar pelo corpo do menino, mas tudo o que encontravam eram porta-retratos rachados, instrumentos musicais destruídos e livros queimados.

213. Com grande alívio, e ao mesmo tempo, desespero, uma das figuras encapuzadas gritou para que os demais lhe ajudassem a escavar um ponto entre os entulhos, onde acreditava estar Kaled.

214. E de fato, com a força das 3 pessoas encapuzadas, conseguiram encontrar o menino Kaled, inconsciente e cansado.

215. Uma das pessoas encapuzadas então tirou o menino dos escombros, o deitando por cima de pedras que se assemelhavam a um tipo de altar.

216. “Eu falhei!”, disse a voz feminina debaixo do capuz, “não aconteceu em Bagdá!”

217. “O terremoto…”, disse uma voz masculina, debaixo de seu capuz, “…ele aconteceu aqui.”

218. Kaled então abriu seus olhos, lentamente, observando as três figuras misteriosas que lhe encaravam.

219. “Sariel?”, perguntou Kaled, cansado.

220. “Eu sou Semangelof”, disse a mulher, chorosa.

221. O menino então tornou-se a desmaiar de cansaço.

222. E estas foram as palavras do Mahdi aos seus seguidores.

Página anterior | Próxima página

Os textos sagrados


Leia "Kaled é o Mahdi" no Wattpad!

LEIA AGORA!!

Faça parte da nossa missão!

Envie um correio eletrônico para o endereco khaledfriends@mail.com
Snaplog
عربي - Português

Feito com amor por Pedro Vasconcellos - 2008