KALED É O MAHDI!

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VIII. O Aniversário

1. Assim disse o Mahdi:

2. Anos se passaram desde que Miriam deixara seu filho aos cuidados da próspera e rica família dos Navid, o casal Casper e Roxanne.

3. Casper Navid era jornalista e escrevia colunas para o maior veículo de informação do país, enquanto Roxanne Navid era fotógrafa e era convidada para os maiores eventos com os convidados mais importantes.

4. Ambos eram naturais do Irã, nascidos antes da revolução do aiatolá. Viveram grande parte de sua vida em Teerã, mas também eram acostumados a viajar para a Arábia Saudita para suas peregrinações anuais á Caaba, em Meca.

5. Roxanne conhecera seu fiel e belo esposo durante os anos no ensino superior, e após o casamento, aventuraram-se para reportar e noticiar os acontecimentos da guerra irã-iraque.

6. Durante este tempo, haviam sido pais por um breve momento, porém, sua filha lhe fora tomada graças aos planos misteriosos de Deus.

7. Quando pais, eram alegres e louvavam aos céus, em gratidão por sua filha.

8. Com a morte da filha, contudo, se tornaram tristes e abatidos, o sol não brilhava tão intenso e o amor não mais habitava seu lar como antes.

9. Mas com a vinda do menino Kaled, haveria uma segunda chance ao casal, que retornaram a uma vida rica em felicidade, pois o menino Kaled era feliz e lhes dava grande alegria.

10. O menino crescia e se tornava cada vez mais saudável, pois o lar e o sustento dos Navid era próspero e cheio de riquezas.

11. Kaled aprendera a falar com poucos meses de vida, e suas primeiras palavras não eram “papai” ou “mamãe”, mas “eshgh¹”, pois o amor não faltava nas palavras de seus pais ao filho.

12. Em seu aniversário de um ano de vida, Kaled aprendera rapidamente a caminhar, e dando um passo maior que a perna, já havia aprendido a correr, o que preocupava seus pais, pois o menino era cheio de energia como uma força da natureza.

13. Seus esforços eram dedicados a arrastar um banco de madeira da sala de jantar até a bancada da cozinha, afim de alcançar alguns biscoitos por conta própria.

14. E se Roxanne colocasse os biscoitos em uma altura mais elevada, Kaled arrastava uma escada de madeira e alcançava mesmo assim, e se fosse escondida por trás de um armário de madeira trancado, Kaled descobria onde estava a chave e arrastava um banco para alcançar a fechadura e abrí-la.

15. E se Roxanne escondesse todos os biscoitos da casa em um cofre hermético atrás de uma pintura no quarto dos pais, Kaled a abria com a força da mente e conseguia seus biscoitos mesmo assim.

16. Não sei dizer ao certo se o Mahdi usava de fato a força da mente, mas foi o que Casper me contou, pois ele não sabia como Kaled conseguia os biscoitos, talvez ele conseguia memorizar a senha enquanto observava os pais, de alguma maneira.

17. O Mahdi também me trouxera o palpite de que, talvez, os cofres onde os biscoitos eram guardados não eram tão bem guardados assim.

18. De qualquer maneira, um feito notável e impressionante para um bebê com um ano de vida.

19. E onde o menino andava, Kaled sempre levava seu cachecol, como um uniforme ou objeto de grande valor sentimental. Com uma mão chupava seu polegar, e com a outra, segurava seu cachecol, maior que o próprio corpo, por cima de seu ombro.

20. E se alguma alma arrependida ousasse lhe arrancar seu cachecol, era castigada com um choro mais alto do que cem trovões e duzentas tromebetas do armageddon.

21. Apesar de arteiro e brincalhão, Kaled não costumava ser barulhento. Na verdade, Kaled tardou para aprender a chorar para comunicar suas necessidades aos pais, que se preocupavam com sua saúde e suas vontades.

22. Quando Kaled sentia fome, por exemplo, seu único sinal era a barriga roncante, e quando queria colo ou mamar, tentava subir em sua mãe pelas suas pernas.

23. Bem se lembra Roxanne da primeira vez em que Kaled derramou uma lágrima, e foi quando vira Casper pisando em uma formiga no jardim.

24. Como Kaled não cessava seus constantes choros, o filho não se contentou até que os pais se reunissem para guardar a formiguinha dentro de uma caixa de sapatos e enterrá-la no jardim.

25. Kaled então chorou um pouco mais sobre o túmulo improvisado da formiga, derramando suas lágrimas sobre a caixa de sapatos da Naipe.

26. O menino também gostava de receber cosquinhas e peidos na barriga, além de brincar de ser um pássaro nos braços do pai.

27. Ao menino, lhe agradavam alimentos de todos os tipos e sabores, e por isso, não enfrentou grandes dificuldades para comer.

28. Na verdade, Kaled enfrentou dificuldades para NÃO comer, pois a geladeira da casa parecia se esvaziar mais rápido que o normal.

29. Com cerca de 18 meses de vida, Kaled gostava de cantar com sua boca uma música que era mais ou menos assim:

30. Nanana na, nana na, nana na, nanana na, nana na, nana na, na na, na na, na, na, nanana, na na, na na, nanana.

31. Creio que o versículo 30 não tenha sido muito claro quanto á interpretação musical.

32. Certa vez, Casper e Roxanne foram a passear com o menino em seu carrinho de bebê, quando haviam de fazer compras.

33. Roxanne e Casper então reencontraram uma velha amiga chamada Samira, uma amiga com quem não falavam desde éons e que estava acompanhada de seu marido e sua filha.

34. Enquanto Casper notara que Samira finalmente casara e tinha uma filha, e nisso, Roxanne apresenta o menino para sua amiga. O carrinho de bebê, contudo, não se encontrava mais ao lado dos pais.

35. Isso pois o carrinho descera por alta velocidade em uma avenida movimentada e cruzava por entre carros, ônibus e caminhões, mas nenhum lhe atingiu, apenas se atingiram uns aos outros.

36. E haviam muitas águias, e tubarões, e monstros, mas nenhum fez nenhum mal ao menino.

37. Em desespero, os pais se despediram apressadamente de Samira para correrem atrás do carrinho, que havia aterrissado com segurança em um gramado de uma praça pública no final da rua.

38. E os pais agradeciam á Deus pela segurança e bem-estar do menino, pois mal algum parecia lhe atingir.

39. Quando ia dormir, Kaled gostava de ouvir as histórias de seus pais, que revezavam na hora da soneca.

40. E antes do beijinho de boa noite, pegavam um livro de sua biblioteca pessoal e contavam histórias para o menino, histórias sobre feiticeiras, fadas e sereias, anões e gigantes, reis e rainhas, deuses e deusas, gênios e fantasmas, tapetes voadores e grandes navegadores.

41. E por cerca de mil e uma noites, Casper e Roxanne contavam histórias e cantavam músicas de ninar.

42. Às vezes, os pais pegavam o menino no flagra, tentando alcançar algum livro de histórias, e o ajudavam a pegar o livro do alto da estante para ler junto com o filho.

43. Os originais favoritos da criança até então eram o Épico de Gilgamesh, a Jornada do Oeste e um quadrinho chamado “As Esferas do Dragão”.

44. E mesmo entendendo apenas as figuras, Kaled parecia aprender um pouco de farsi e árabe através das letras, exceto por alguns livros em hiragana ou híndi.

45. Sempre que os pais haviam de se deitar na cama á sós, regozijavam-se de alegria, romance e amor, muito amor, pois o menino lhes trazia o ânimo para respirar, como se lhes recordasse o que de fato mais importava para a vida.

46. Em uma dessas noites, Casper havia contado a história de Krishna, avatar do deus hindu Vishnu, para seu filho Kaled.

47. Colocando seus óculos, abriu o seu grande livro de histórias indianas, e com sua bela voz, que costumava ser utilizada para reportagens ao jornal, Casper lhe contou ao filho a história de um homem e uma mulher, que era irmã de um rei malvado.

48. Uma profecia então veio e disse ao rei malvado que o oitavo filho de sua irmã lhe tomaria o poder, encerrando então seu reinado de discórdia e injustiça.

49. E afim de livrar-se das punições divinas, aprisionara sua própria irmã e o marido desta, ordenando que matassem todos os filhos que ela desse à luz.

50. Quando o oitavo filho havia de nascer, contudo, Vishnu apareceu ao casal e os libertou da prisão, ordenando que levassem o filho para um vilarejo do outro lado do rio afim de salvá-lo das garras do rei malvado.

51. E quando o casal cruzara o rio, as águas se abriam pertante eles, formando um caminho até o vilarejo, onde moravam um casal e seu filho.

52. Após deixarem o filho em segurança aos cuidados de outro casal, trocaram então as crianças e retornaram para a prisão, onde o rei malvado havia de matar então mais um filho.

53. Mas então, a deusa Devi apareceu reencarnada na criança que havia sido trocada, zombando do rei malvado e anunciando que o verdadeiro filho de sua irmã vivia em segurança, longe de sua tirania.

54. Casper então refletia ao proferir suas últimas palavras, lembrando-se da misteriosa garota de preto que deixou o menino aos seus cuidados.

55. Por trás dos seus óculos de grau, o pai havia encarado o menino, que já havia dormido e estava sonhando com as estrelas, e quando o menino havia sorrido durante o sono, pôde perceber uma estrela de oito pontas brilhando em sua testa.

56. Poucos segundos depois, viu então a estrela desaparecer, e então beijou o seu filho na testa onde antes havia a estrela.

57. Fechando então a porta do quarto de seu filho, deu uma última olhada na criança, que já não dormia mais em berço, pois era uma criança que adorava dormir e ficar tranquila em silêncio.

58. E desde seus primeiros meses até então, Kaled sempre posicionava uma mão convenientemente apontando para cima e a outra apontando para baixo, em uma posição estranhamente confortável para se dormir.

59. E eram sempre dois dedos apontando para cima e dois apontando para baixo, e Casper sempre se perguntava o porquê do gesto.

60. Fechando a porta, Casper deu de cara com Roxanne, que lhe aguardava para uma noite tranquila de sono, pois havia de chegar a véspera de aniversário de 3 anos de vida do menino.

61. E com o habitual sono cheio de vida e amor, muita vida e amor, Casper e Roxanne dormiram como se tivessem se conhecido pela primeira vez, atentando-se para não acordar a criança.

62. No dia seguinte, Roxanne acordara ao som dos pássaros da manhã, e se espreguiçando, admirara a barba e feição de seu marido, por trás dos olhos brilhantes tímidos entre mechas de cabelos lisos.

63. Roxanne então acordara seu marido, Casper, com alegria, se colocando em cima de seu corpo e lhe beijando romanticamente, dizendo que o papai precisava dar os parabéns ao filho.

64. E entre alguns beijos, Casper dizia: “Três anos? Já se passou tanto tempo assim?”

65. E Roxanne havia lhe respondido: “Sim, três anos de vida do nosso filho, três anos de vida desde sua promoção no jornal, três anos de fotografias de sucesso”.

66. “Como o tempo passa rápido”, dissera Casper, “Não quero que nosso filho vire gente grande agora”.

67. “Não se preocupe”, disse Roxanne, abraçando seu marido e apoiando seus cabelos sobre os pelos no peito de seu homem, “Kaled vai continuar sendo nosso neném, mesmo se for um velho barbudo”.

68. E proferindo mais alguns gracejos uns aos outros, Roxanne e Casper descansaram em silêncio, antes de terem seu momento interrompido pelo choro do menino.

69. “Ele quer ver o jardim”, disse Casper, sorrindo.

70. “Eu o levo”, disse Roxanne, se levantando e trocando sua roupa.

71. E enquanto Casper pegava seus óculos que havia colocado na cabeceira para ir até a cozinha e preparar um bom café da manhã, Roxanne ia até a porta do quarto de seu filho, que logo pediu o colo da mãe, que dizia que seu filho já era muito mocinho para essas coisas.

72. E já lhe fazendo gracinhas, a mãe lhe fez cosquinhas na barriga, fazendo o menino gargalhar e pedir para parar, pois já sabia dizer algumas palavras.

73. Com o menino Kaled Navid em seu colo, Roxanne caminhou com seus chinelos até a varanda do quarto dos pais, escondida por trás de longas cortinas.

74. Iluminando então o quarto escuro, Roxanne abriu as longas cortinas e revelou uma bela paisagem sob a luz da aurora, decorada com a visão da cordilheira elbruz na distância do horizonte, com seus cumes recheados de neve.

75. Era primavera e as flores brotavam no belo jardim dos Navid, enfeitado com uma flora cheia de tulipas, orquídeas, lírios e rosas, e na fauna, se encontravam várias espécies de besouros, borboletas, libélulas e abelhas.

76. No jardim, cercado por muros cheios de trepadeiras, havia também uma bela fonte de água corrente, onde nadavam alguns peixes, além de uma pequena mesa com cadeiras.

77. O jardim era tão rico e vasto que algumas folhas e galhos alcançavam a varanda do quarto de Roxanne e Casper, no segundo andar da mansão.

78. Pois sempre que Kaled caminhava pelo belo jardim da mansão dos Navid, a vida parecia mais viva e as plantas mais verdes.

79. Na presença de Kaled, as borboletas lhe cumprimentavam pela manhã, os pássaros pela tarde e os vagalumes pela noite.

80. Roxanne levou então o menino para perto das plantas e flores, para que ele pudesse tocá-las com suas pequenas mãos e sentir sua textura.

81. Roxanne também apreciava o jardim e notara então que, onde havia uma caixa de sapatos na Naipe contendo uma falecida formiga, agora havia germinado uma margarida.

82. Não necessitavam então de serviçais para fazer o trabalho de manter a beleza e a estética do jardim (mesmo porque o casal gostava de cuidar da própria casa), pois o jardim sempre se mantinha belo.

83. Olhando as borboletas no céu, Kaled apontava o dedo e dizia: “Borboleta!”, aprendendo a falar o nome dos animais, e entrando na brincadeira com o filho, Roxanne lhe ensinava o nome das flores.

84. Inocentemente, Kaled então dizia: “Raposa! Onça!”, enquanto apontava para alguns gatinhos que caminhavam em cima do muro de trepadeiras no jardim.

85. Rindo, Roxanne lhe dizia: “Não, meu bem, é gatinho! Ga-ti-nho!”

86. “Ga-ti-nho”, dissera Kaled.

87. “Isso meu bem!”, dizia Roxanne, para lhe parabenizá-lo.

88. “Gatinho! Gatinho!”, dizia Kaled, apontando para os gatos que miavam em cima do muro.

89. “Cobra! Leão!”, disse então Kaled, mesmo não tendo nenhuma cobra ou leão no jardim.

90. Calmamente, Roxanne tornou a lhe dizer: “Não, meu filho, é ga-ti-nho!”

91. E então, Kaled disse: “Pavão! Pavão!”

92. Já se preparando para corrigí-lo, Roxanne olhou novamente para o muro, mas além de gatos, viu também um belo pavão de penas azuis e verdes.

93. Surpresa, Roxanne viu Kaled sorrir para o pavão, que o olhava de volta, balançando a cabeça para o lado e piscando seus olhos.

94. Com um bater de asas, o pavão voou então até a varanda onde mãe e filho observavam o jardim, e Kaled lhe deu um carinho na cabeça do pavão.

95. Roxanne notou então que a usual estrela de oito pontas brilhava em sua testa.

96. “Que bom que seu cabelo está ficando grande”, dissera Roxanne para Kaled, que de fato estava ganhando uma franja que quase alcançava suas sobrancelhas.

97. “Que bom que seu cabelo está ficando grande”, dissera Roxanne para Kaled, que de fato estava ganhando uma franja que quase alcançava suas sobrancelhas.

98. A campanha então tocou na mansão dos Navid, para surpresa de ambos.

99. Gritando na casa, Roxanne dissera: “Casper! Atende!”

100. “Estou ocupado, amor!”, respondera Casper, que estava arrumando o café.

101. Apressadamente, as sandálias de Roxanne batiam nos degraus da escada e então deixou o menino no sofá da sala e escolheu o seu hijab mais bonito para colocar em volta de sua cabeça e receber a visita.

102. “Visita tão cedo assim?”, dizia Roxanne, enquanto ajeitava seu hijab, se olhando no espelho.

103. “Já vai dar 11 horas, meu bem!”, respondeu Casper, que arrumava o café em cima de uma mesa enfeitada.

104. Com a campanha tocando mais vezes, Roxanne se apressava para preparar a casa para o aniversário do menino: “Já vai! Já vai!”, ela dizia.

105. Finalmente atendendo a porta, Roxanne abriu então a porta e viu suas amigas e amigos lhe cumprimentando e sorrindo, celebrando: “Tavalodet mobarak!²”

106. E todos os amigos e amigas de Casper e Roxanne, casados e com seus próprios filhos e filhas, traziam presentes e esperavam sua vez de receber uma abraço da mãe de Kaled.

107. Uma amiga trazia uma bola de futebol para o menino brincar no jardim, tão bem elogiado pelas amigas, que recordavam que ele não era tão bem cuidado a 3 anos atrás.

108. O esposo de outra amiga sua então lhe entregou um belo moletom, para quando o inverno chegasse e ele pudesse ficar quentinho.

109. Uma amiga trazia um suco e seu esposo trazia um bolo, ambos para comerem durante o aniversário de Kaled após o fim do jejum de Ramadã, o mês de seu aniversário.

110. Este esposo perguntou então sobre Casper, e Roxanne então os convidou para entrar em casa e ver seu marido e seu filho.

111. A sua última amiga, Samira, contou-lhe então sobre mais alguns convidados que aguardavam na porta, antes de entrar em casa.

112. “Chame-os para dentro!”, disse Roxanne para Samira, que com o balançar da mão, chamou três sujeitos que se vestiam de maneiras bem diferenciadas.

113. O primeiro homem tinha a pele retinta, um bigode de respeito, se vestia com uma camisa de botão vermelha, usava um chapéu e vários cordões em seu pescoço. Parecia ser um romani da europa.

114. O segundo homem era negro e de lábios grandes, vestia uma esbelta camisa de botão branca, uma calça branca e um sapato de couro preto. Parecia ser um africano da Etiópia.

115. A terceira viajante, uma mulher, estava na frente dos dois homens, olhando para Roxanne. Tinha o olho puxado e a cabeça raspada, vestia um véu com um longo vestido amarelo, calçava belas botas com pelos e parecia ter vindo das montanhas do leste, no Nepal.

116. Assustada, Roxanne olhava para os três convidados misteriosos, ouvindo Casper receber seus amigos enquanto as suas amigas lhe chamavam para entrar e conversar.

117. “Quem são vocês?”, disse Roxanne, olhando para os três de baixo para cima.

118. “Numele meu este Valentin!”, disse o romani, “Este o mare onoare să fiu prezent în această zi!”

119. “Oo anigu waxaan ahay Desta!”, disse o etíope, “Waxaan Itoobiya uga imid inaan arko wiilkaaga!”

120. E a mulher nepalesa disse: “मलाई क्विना कल गर्नुहोस्, हामीले तेहरान हुँदै बाटोमा भेट्यौं र तपाईंको घर फेला पार्यौं, ताराको मार्गदर्शनको लागि धन्यवाद।”

121. Levantando a sobrancelha, Roxanne não sabia o que dizer, nem se deveria permitir que três estranhos entrassem em sua casa.

122. Com um silêncio constrangedor entre os quatro, a mulher nepalesa então lhe disse, em farsi:

123. “Viemos conhecer o Al-Mahdi.”

124. Arregalando os olhos, Roxanne, quase fechou a porta na cara deles, mas Casper apareceu e perguntou se os três convidados não iriam entrar, afinal, estavam bem vestidos e traziam presentes para Kaled.

125. Sussurrando, Roxanne dissera para Casper: “Perdeu a cabeça? A gente nem conhece essas pessoas!”

126. “Oras, devem ser amigos da Samira”, disse Casper, “não podemos deixá-los do lado de fora, agora que estamos nos falando de novo.”

127. “A gente tem ouro!”, disse a nepalesa, chamada Kwina, e logo, Roxanne mudou de ideia e permitiu que entrassem, ainda duvidando das intenções dos convidados.

128. Casper tinha a grande habilidade de se relacionar com facilidade com qualquer um, e por isso, logo chamou os três para conversar.

129. Já Roxanne não tinha esse grande potencial, pois sempre desconfiava muito de todas as pessoas, estranhas ou amigas.

130. E Kaled se divertia com os amigos e amigas de seus pais, que lhe faziam gracinhas e elogiavam seu ânimo, sua beleza e seu belo sorriso, que parecia nunca sumir de seu rosto.

131. Os filhos e filhas dos amigos de seus pais também se divertiam com Kaled, brincando e se divertindo sobre o tapete da sala de estar.

132. E como era de costume, Kaled não largava seu cachecol, até mesmo arrumando encrenca com um coleguinha que queria tocá-lo, criança esta que levou um tabefe na cara e foi até sua mãe.

133. Afim de presentear o menino, o romani, chamado Valentin, trouxe então ouro para o jovem menino, e por ouro, ele presenteou a criança com um alto valor em leu, a moeda da moldávia.

134. Dessa vez, vou permitir que Pedro exponha o valor exato do presente de Valentin. De acordo com seus cálculos e convertendo leu para rial, Kaled havia ganho cerca de quinhentos lei, o que equivalia a um milhão e duzentos mil rial naquele tempo.

135. Ik Onkar me perdoe, mas as equações do Pedro me fazem dormir. Não sei porque ainda deixo ele escrever no livro se o Mahdi me encarregou de documentar sua biografia.

136. Logo em seguida veio o etíope Desta, trazendo esfand³ para espantar o mau olhado.

137. E rapidamente, ele havia acendido o esfand e jogou a fumaça das sementes na cabeça do menino, que tossia e balançava a cabeça, sem entender que aquilo lhe espantaria dos espíritos invejosos.

138. Por último, Kwina, a nepalesa, trouxe mais presentes que jogavam fumaça, e eram incensos de várias fragrâncias, como canela e hortelã.

139. Apesar de Casper se sentir grato pelos presentes e a visita dos estrangeiros, Kaled não gostava de dinheiro ou de coisas que jogavam fumaça na sua cara, pois já lhe bastavam os carros nas ruas.

140. Kaled preferia presentes para brincar e se divertir, e por isso, se maravilhou com um ney⁴ que ganhou de presente de Samira.

141. Samira, no entanto, logo se arrependeu de dar o presente, pois Kaled não iria pensar em outra coisa senão tocar ney em suas próximas horas, fazendo barulho e tentando tocar alguma música.

142. Todos os amigos e amigas dos Navid, além dos três viajantes, ficaram na mansão para se divertir e conversar, aguardando o fim do jejum de Ramadã ao pôr do sol.

143. Querendo puxar assunto, um amigo de Casper perguntou então para Valentin, o romani, de onde ele veio, e ele respondeu em farsi:

144. “Venho de Kishinev, na Moldávia. Minha família esteve viajando pela Capadócia em uma peregrinação espiritual e recebemos orientação divina de que uma família nos receberia no Irã”.

145. O etíope Desta então continuou a história: “Isso mesmo, já eu atravessei os desertos do Iêmen e do Omã e vim de Addis Ababa, juntamente dos meus demais amigos.”

146. “Então, vocês estavam de passagem?”, perguntou Casper aos viajantes.

147. “Digamos que sim”, disse Valentin, “Somos mochileiros e nós nos combinamos de se encontrar em Teerã para nos conhecermos melhor.”

148. “E vocês são todos amigos da Samira?”, perguntou Roxanne, desconfiada. E lhe respondendo, Desta disse: “Claro, esses últimos anos, nos tornamos grandes amigos.”

149. Roxanne então aceitou a explicação, e tendo se distanciado tanto de Samira desde o que aconteceu com os Navid, não se achou no direito de desconfiar de seus amigos.

150. “E você… Kwina?”, disse Casper, olhando para a mulher nepalesa e aguardando seu balançar de cabeça para que acertasse seu nome.

151. A mulher então disse: “Nasci na Índia, mas passei toda a minha vida no Nepal.”

152. “E o que você faz da vida?”, perguntou Casper.

153. “Sou monge budista em Katmandu, e vim para prestigiar o aniversário de Kaled, o Ma…”

154. E antes que Kwina pudesse terminar a frase, Roxanne perguntou: “Todos vocês vieram para cá para ver o Kaled?”

155. “Hō”, “Haa” e “Da”, disseram Kwina, Desta e Valentin, respectivamente.

156. E de repente, Valentin sentiu que algo estava mexendo nas suas coisas, e sem saber ao certo como havia acontecido, viu o menino Kaled enchendo sua boca com deliciosos bamiyeh que havia encontrado na mochila do viajante moldavo.

157. “Meus bolinhos!”, disse Valentin, fechando sua mochila para que o ladrãozinho não tentasse comer mais bamiyeh, e os demais na sala de estar gargalharam com as traquinagens de Kaled.

158. “Claro! As tulumbas da Turquia! Ouvi dizer que são as mais deliciosas do ocidente!”, dissera Samira, interessada nas histórias dos viajantes, e então, todos na mansão se atentaram às histórias de Desta e Valentin.

159. Ainda desconfiada, contudo, Roxanne chamou Kwina, a monge nepalesa, para conversar em particular, o que ela prontamente aceitou.

160. “Que história é essa de Al-Mahdi?”, perguntou Roxanne para Kwina.

161. “Ora, seu filho, Kaled, é o Mahdi”, dissera Kwina, como se fosse um tanto óbvio.

162. “Acho que você está no lugar errado”, disse Roxanne, “o Mahdi está em Mexede e se chama Yohannan”.

163. “Não foi o que a estrela me disse, senhora”, respondeu então Kwina, “Está escrito nas estrelas e nas constelações, e as estrelas nos guiaram até esse lugar para prestigiar a sua vinda, pois o Al-Mahdi há de ser venerado e reconhecido por todos os idiomas, culturas e religiões do planeta.”

164. “Bom, eu não acredito em signos, então tudo o que está falando não passam de bobagens!”, disse Roxanne, muito descrente.

165. “Meu bem, se tem ouvidos para ouvir, então ouça!”, disse Kwina, “Seu filho está predestinado para algo grandioso! Ele irá liderar todos os povos da terra para o grande juízo final, libertando-os de um reinado de injustiças e maldade!”

166. “Do que está falando?”, disse Roxanne, cada vez mais descrente da mulher.

167. “Oras, o mundo há de acabar, Roxanne”, disse Kwina, “Uma grande calamidade há de ocorrer, e apenas aqueles que forem salvos pelo Mahdi poderão prosseguir para a vida eterna em uma nova era, um novo aeon”.

168. Roxanne, comprimida na parede, ficava boquiaberta e não sabia como reagir.

169. “Oba, bolo”, disse Kwina, se virando e percebendo que Casper chamava todos para bater os parabéns, pois estava anoitecendo e cessava o jejum do Ramadã naquele dia.

170. E a mãe do menino Kaled não pôde pensar em nada além do que significava tudo aquilo. Al-Mahdi? Fim do mundo? Nova era? Para Roxanne, Kaled era apenas o seu filho e ponto final.

171. Sem saber como prosseguir com toda aquela informação, Roxanne decidiu apenas esquecer tudo aquilo para prestar atenção no aniversário do seu filho, afinal, o dia era dedicado a ele.

172. Uma das amigas de Casper, contudo, havia dito que não poderia participar do rito, pois sua religião não lhe permitia, se referindo á bid’ah⁵.

173. Roxanne então apontou que, apesar disso, sua amiga exibia mechas de cabelo sobre seu véu, assim como Roxanne.

174. E rindo, um amigo de Casper apontou que Kwina não teria problemas com a lei xária, pois ela não tinha cabelo, e todos na sala, incluindo Kwina, riram da piadoca.

175. E assim, todos se reuniram em torno da mesa para cantar os parabéns para o menino Kaled, enquanto Roxanne tirava fotos dos momentos com sua câmera Bright Wright:

176. Tavalot! Tavalot! Tavalodet Mobarak!

177. Mobarak! Mobarak! Tavalodet Mobarak!

178. No restante do dia, os amigos de Casper beberam e conversavam sobre as atualidades, as amigas de Roxanne conversavam sobre a vida diária com a família e os três viajantes brincavam com Kaled, que ainda tentava tocar sua ney.

179. Kwina notara que o menino carregava seu cachecol por todo canto, e pensativa, leu o nome “Miriam Azzimi”.

180. “Onde será que ela deve estar?”, dissera Kwina á si mesma.

181. “Pretende ir atrás dela?”, perguntou Desta para a monge.

182. “Não por agora”, disse Kwina, “Não é o momento”.

183. “Temos que ir”, disse Valentin, “Nosso tempo é curto”.

184. Kwina, Desta e Valentin se despediram de Casper Navid, Roxanne Navid e todos os seus amigos e amigas, e despediram-se também de Kaled, que lhes cumprimentava de volta.

185. Era de noite e os três viajantes entraram em um carro, e por cima do muro do jardim dos Navid, um pavão os observava.

186. Desta, que estava no volante, percebera que Kwina estava muito pensativa, e por isso lhe disse: “Ele vai ficar bem”, enquanto colocava sua mão no ombro da monge.

187. A mulher do Nepal então viu a mansão dos Navid sumir na distância, conforme o carro deixava a cidade.

188. Conhecemos as palavras dos três viajantes, pois Kwina contou ao Mahdi.

189. E essas foram as palavras minhas, do entediante Pedro e do Mahdi aos seus seguidores.

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Feito com amor por Pedro Vasconcellos - 2008