1. Assim disse o Mahdi:
2. Chegado então o mês da Santa Devoção, toda a família dos Azimi se reuniram até o santuário de Imam Reza para prestar os sagrados ritos do Ramadã.
3. Era um dia muito importante para todos da família, que era temente a ALLAH e fiel seguidora dos ensinamentos do profeta Mohammed.
4. Foi também um importante período para fortalecer a tão fragilizada fé de Miriam, após tantas provações e obstáculos.
5. Apesar de tantas duvidas acerca de sua religião, Hannah e Zakariya lhe incentivaram a ir regularmente ao santuário para rezar em direção á Caaba e encontrar respostas para suas perguntas.
6. Pois, apesar de desconhecerem sobre a gravidez de Miriam, todos na família sabiam que ela deveria estar abatida com algo, mesmo com todo o teatro para disfarçar a sua real dor.
7. E Hannah lhe dizia á Miriam: “Filha minha, não vá até o santuário para cumprir com uma obrigação ou contra sua vontade. Filha minha, preste culto e jejum para o Nosso Senhor para que ele lhe acalente e lhe console, pois só Ele sabe de vossas dores”.
8. E Miriam sabia que isso era verdade, pois fugira de suas dores por tanto tempo, mas dessa vez, decidiu que queria ter uma conversa com sua própria alma.
9. Á Miriam, lhe demorou mais tempo do que deveria para compreender que a espiritualidade era antropocêntrica e servia a alma humana e seu entendimento.
10. Apesar de ler o sagrado alcorão e rezar em direção á Caaba todos os dias, Miriam não realizava os jejuns, tão vitais para os cinco pilares do islã, o que trouxe duvida na cabeça de seus pais.
11. Liza então lhes explicara que haveria de jejuar o mesmo número de dias em outra ocasião.
12. O pai, contudo, apontou que Miriam jejuava os dias do Ramadã em anos passados. Não haveria nexo, então, Miriam não jejuar durante o Ramadã naquela ocasião, pois não seria diferente das mesmas vezes.
13. Para sustentar a história, Miriam aceitou jejuar, ainda que comprometendo a saúde do menino.
14. E assim, Miriam havia ido até o santuário de Mexede para realizar suas usuais orações e louvores ao Senhor, sentada no banco do jipe de Zakariya, juntamente do pai, Yousef, Hannah, Liza e Yohannan.
15. E um sacerdote havia de dizer palavras de amor e compaixão aos fiéis no santuário, prostrados de joelhos para ALLAH.
16. O sacerdote dizia palavras de bondade e acalento aos fieis que obedecerem os mandamentos de Mohammed, pois uma vida de gozo e alegria lhes aguardava na vida eterna.
17. De olhos semicerrados e cabeça erguida aos céus, Miriam se imaginava no Jannah, caminhando entre planíces, ouvindo o canto dos pássaros e o som das cachoeiras.
18. E ouvindo as calmas palavras do sacerdote, Miriam se imaginara nos vales de pérolas e rubis, vestindo anéis de diamante e longos vestidos da melhor seda, provando do leite, do mel e do maná.
19. E ao chegar em um riacho, pôde se maravilhar ao encontrar 72 virgens, nuas, sentadas em pedras do rio.
20. Espera, 72 virgens? Miriam decide reformular sua imaginação.
21. E ao chegar em um riacho, pôde se maravilhar ao encontrar 72 virgens, nus, sentados em pedras do rio.
22. Pensando melhor, Miriam apenas ignorara a menção á virgens, sejam mulheres, homens ou o que for.
23. E ao chegar em um riacho, pôde se maravilhar com a água fresca e o deleite da natureza lhe banhando, lhe trazendo uma calmaria nunca antes sentida.
24. Controlando sua respiração, Miriam se imaginara em uma floresta, entre animais e frutas de todas as espécies, um lugar melhor para se viver, como o sacerdote lhes dizia.
25. Miriam, em sua fértil imaginação, ouvira uma gargalhada, e então, olhara para o rio para ver a origem da risada.
26. E eis então que ela vira emergir das águas um menino moreno e sorridente, que queria brincar de esconde esconde com Miriam.
27. E após o menino mergulhar na água para se esconder de Miriam, ela também fora atrás do garoto, para brincar com ele.
28. Achando que teria o alcançado, Miriam se joga na água, mas ele não estava lá.
29. Molhada e pesada, Miriam olha para os lados para saber aonde o menino fora, e então o avista atrás de uma árvore, lhe fazendo caretas.
30. E ao mesmo tempo, os dois começam a correr pela floresta, o menino fugia de Miriam e Miriam corria atrás do menino, não se importando se ele lhe fez molhar toda sua roupa.
31. Miriam consegue lhe alcançar e lhe abraçar, e então, Miriam começou a lhe fazer cócegas na barriga, fazendo o menino rir ainda mais.
32. Os dois então deitam no gramado, observando o céu ao entardecer e escutando o som da natureza.
33. O menino então se virou até Miriam, e com os olhos brilhando, enfim disse uma palavra: “Mamãe”.
34. Um inseto de asas coloridas então pousou no nariz do menino, que dissera: “Borboleta!”
35. Miriam não sabia como reagir. Emocionada, só podia admirar e observar o menino aprendendo a falar.
36. “Raposa!”, disse o menino, apontando o dedo a um animal quadrúpede.
37. “Onça!”, disse o menino, apontando para um gato grande e amarelo.
38. Miriam então se aproximou mais do menino, lhe dando um beijo na testa e sentindo algo que nunca havia sentido antes.
39. Ela já cuidava de seus irmãos mais novos e das crianças da rua, mas aquele menino era diferente, havia algo de especial em sua inocência.
40. Miriam então abraça o menino, desejando que nada de ruim acontecesse com ele, pois sente uma enorme melancolia ao saber que, um dia, ele conheceria o mundo como realmente é.
41. Aos olhos inocentes do menino, o mundo era nada senão um mar de rosas, um paraíso eterno, uma brincadeira que nunca acabava, mas Miriam sabia como o mundo realmente era.
42. E Miriam fechara seus olhos enquanto ouvia seu filho dar nomes aos animais, até que o menino começou a dizer: “Cobra! Cobra!”
43. Abrindo os olhos, Miriam viu o menino segurar uma enorme cobra com suas próprias mãos, como se fosse apenas um brinquedo, e não pôde expressar nenhuma outra reação senão espanto.
44. “Não! Não! Feio! Feio!”, dizia Miriam á criança, pedindo para ela parar de brincar com o perigo, mas como o menino não ouvia, ela lhe arrancou a cobra de seus braços, fazendo o menino chorar.
45. E Miriam não conseguia entender como o menino chorava se ela estava lhe livrando dos perigos da natureza.
46. Com a cobra nas mãos, ela ouviu a cobra lhe dizer palavras como “Guerra! Fome! Morte!”.
47. Miriam então joga a cobra para longe, não querendo que o menino ouvisse essas coisas terríveis.
48. “Leão! Leão!”, dizia o menino, que em uma fração de segundo estava dentro da mandíbula de um enorme e feroz leão, e Miriam arregalou os olhos e pôs as mãos na cabeça, atemorizada.
49. “SAIA DAÍ! MENINO!”, e o menino não entendia o quanto aquilo era perigoso para ele, e Miriam teve de dar um mata leão no leão para matar o leão.
50. Virando de costas, viu o menino brincando com fogo, literalmente, brincando com o fogo, e Miriam, aterrorizada, saiu correndo até o menino que olhava para uma fogueira, de costas para ela.
51. “NÃO! O FOGO NÃO!”, gritava Miriam ao menino, que parecia não lhe escutar, entretido com suas próprias brincadeiras.
52. Quando chegou até o menino, porém, viu ele se virar para sua mãe para lhe mostrar um presente: “Olha o que eu fiz, mamãe!”
53. E espantada, Miriam viu que o menino não era mais um menino.
54. Agora, o menino tinha barba e cabelos, e falava, e andava, sem a sua ajuda, pois podia fazer as coisas sozinho.
55. Como o tempo passa rápido, pensou Miriam.
56. O menino, agora um homem, lhe mostrou então um lindo vaso de cerâmica, pois o homem descobriu que dava para fazer muitas coisas boas com o fogo.
57. Mas aquilo era muito perigoso para seu filho, “O fogo destrói! Ele vai te consumir!”, dizia Miriam enquanto pisava na fogueira para apagar o fogo e proteger o seu menino.
58. O menino, porém, se revoltou e foi embora carrancudo, e Miriam, querendo se desculpar, foi atrás do menino.
59. Em um instante, porém, Miriam olhou em volta e não encontrava mais o menino, por isso, começou a gritar pelo seu nome, que era… menino.
60. “Menino! Menino!”, ela gritava para as árvores e os pássaros, mas não conseguia ouvir nenhuma resposta.
61. “Menino! Cadê você menino?”, ela continuava a gritar, agora desesperada, sabendo que ele estava perdido pela floresta.
62. Se culpando pelo que fez, Miriam se senta no chão da floresta e começa a chorar, não podendo imaginar o que teria acontecido com seu próprio filho.
63. Pois o menino era tão frágil, bem sabia. O menino achava que podia dar a cara a tapa na natureza e achar que sempre ia se dar bem, mas Miriam sabia que o menino só estava vivo porque ela cuidava do menino.
64. Agora que a mãe não estava com seu menino, algum animal feroz poderia ter lhe devorado, alguma pedra poderia ter lhe esmagado, a fome ou a sede poderiam ter lhe assolado.
65. “Mãe?”, ouvira Miriam entre as árvores da floresta, rapidamente mudando seu semblante.
66. “Filho?”, disse Miriam às árvores da floresta, e as árvores da floresta lhe responderam: “Mãe?”
67. E rapidamente, Miriam correu até a origem do som, tropeçando em algumas pedras e tirando algumas folhas de seu caminho.
68. A mãe então olhou para o mar e sentiu seus pés tocando na areia, e ouvindo o barulho das ondas, gritou novamente por seu filho, e o filho lhe respondeu de volta.
69. Com sua roupa batendo com a força dos ventos, a mãe corre pela praia em direção ao seu filho, para protegê-lo do mal e do mundo, mas ao chamá-lo novamente, ela não ouve uma fala, mas um canto, um canto de uma ave.
70. E do outro lado do horizonte, ouviu outra ave lhe cantar de volta.
71. A mãe começou a correr, a correr e a correr, mas seus pés já não mais tocavam a areia.
72. Como um anjo, a mãe começou a voar pela praia, e seus panos e roupa se transformavam em longas e coloridas penas.
73. E do outro lado do horizonte, a mãe pôde ver a silhueta de seu filho, voando pelo céu, e não pôde conter seu choro, pois além de tudo, agora o filho também sabia voar.
74. A mãe lhe cantou uma pergunta, e o filho lhe cantou uma resposta.
75. E em um emocionante reencontro, a mãe e o filho se abraçaram no meio do ar, sob a luz do pôr do sol, acima das ondas do mar.
76. O menino chorava de saudades, pois sentira tanta falta da mãe, e a mãe chorava junto do filho, pois sentira saudades do filho.
77. A mãe chorava de alegria, pois sabia que a união entre uma mãe e um filho jamais poderia ser rompida, e o filho sempre encontrava o caminho de volta para casa.
78. Miriam havia se perdido tanto em si mesma e sua imaginação que esquecera que estava ouvindo as palavras de um sacerdote em um santuário.
79. O sacerdote seguia suas palavras de bondade e de compaixão, sobre como Deus era bom com os fiéis e seus seguidores.
80. O cenário a sua volta, porém, começa a se transformar conforme o sacerdote faz menção ao destino dos pecadores, injustos, profanos, hereges e adúlteros.
81. O oceano ficara negro, o céu, vermelho, e uma forte ventania vinha do horizonte. Ainda em sua imaginação, Miriam se imaginou uma mãe levando seu filho de volta ao seu ninho no alto de uma árvore.
82. E uma tempestade se aproximava, ameaçando toda a vida da natureza, e para proteger seu filhote, a mãe erguia suas asas sobre o filho.
83. E a mãe ouvira as palavras do sacerdote vindo da tempestade: “Ó pecadores e avarentos! Aqueles que se afastaram do caminho de Deus! Vocês terão o seu julgamento no juízo final!”
84. Assustado, o filhote disse: “Mamãe, eu me afastei do caminho! Eu vou morrer?”
85. Lhe consolando, a mãe lhe disse: “Não, filho! Ninguém vai morrer!”
86. “Mas ele disse, mamãe”, disse o filhote, “Todos nós vamos morrer!”
87. Raios e trovões então desceram até a terra, e ondas violentas batiam na praia, fortes tremores no solo e magma vulcânico saía das profundezas do planeta.
88. E a tempestade lhes dizia: “Vocês, que desobedeceram os mandamentos de Deus, serão punidos no lago de fogo e de enxofre!”
89. Desesperado, o filhote disse á mãe: “Eu brinquei com o fogo! Mamãe! Eu brinquei com o fogo!”
90. E o filhote se encolheu na barriga de sua mãe, que lhe cobria cada vez mais, para que ele não ouvisse as terríveis palavras da tempestade.
91. “Pare de enganar o meu filho! A tempestade há de passar! Ninguém vai morrer!”, gritava a mãe aos céus.
92. A tempestade então lhe respondeu: “Você me criaste, ó mãe! Você me criaste!”
93. Sem conseguir compreender, a mãe olhou para os céus e viu um forte brilho vindo das nuvens escuras de chuva.
94. E lhe gelando a espinha, a mãe Miriam viu uma estrela.
95. Uma. Estrela. Cadente.
96. Como se o tempo estivesse congelado, a mãe Miriam pôde ver o reflexo do brilho da estrela de oito pontas em suas duas pupilas, e a estrela vinha em sua direção, ameaçando acabar com toda a vida na terra.
97. A mãe Miriam, contudo, decidiu fazer um pedido para a estrela.
98. E com os olhos fechados, abraçando seu filho, sussurrou uma oração, lhe fazendo um desejo á estrela cadente.
99. “Mate a todos, mas não mate o meu filho, Satanás.”
100. E o sacerdote, em seu sermão no santuário, dizia que o apocalipse havia de chegar para julgar os infiéis e pecadores, e o Mahdi havia de chegar para trazer a justiça, para recompensar os obedientes e condenar os desobedientes.
101. A mãe, porém, também queria salvar os desobedientes, pois sempre cabe mais um no coração de mãe.
102. E a estrela então desceu até a terra.
103. “MIRIAM!!!!”
104. “MIRIIIIAAAAAAAAAAAAAAMMMMMMM!!!!!!!!!”
105. Não há som.
106. A luz.
107. Os gritos.
108. O inferno na terra.
109. O. Leite. Da. Vida. Eterna.
110. Os. Clamores.
111. Louvores. Temores. Horrores.
112. Fogo. Enxofre. Pólvora.
113. Uma falha.
114. “…venha, venha”.
115. “Filho?”
116. “Mãe?”
117. “Pai?”
118. “Liza?”
119. Eu vi, eu vi.
120. Foi a águia.
121. Tiros. Tiros. Tiros.
122. Parede. Chão.
123. Colunas. Janelas. Portão.
124. Multidão. A multidão. A multidão. A…
125. Tapa. Socorrro. Tapa. Empurrão. Choro. Clamor. Clamor da Liza. Amor da Liza.
126. Estourou! Estourou!
127. “Miriam! Miriam!”
128. “Allahu Akbar!”
129. A multidão. A multidão, a multidão!
130. A multidão estava toda largada no chão, toda largada no chão. A multidão estava toda largada no chão.
131. Liza a encarava, segurava suas bochechas e não saía dali até ela recobrar a consciência.
132. “Eu… vi… uma… estrela…”, Miriam cuspia sangue, Liza sangrava pela cabeça.
133. “Calma, Miriam. Vai ficar tudo bem”, e sem a menor noção de espaço ou de tempo, Miriam sentiu que estava flutuando.
134. Agora, Miriam sentia que a terra estava tremendo. Não, a terra não estava tremendo, era Liza quem lhe carregava no colo.
135. Miriam estava perdendo muito, mas muito sangue. Seu braço jorrava sangue cada vez mais rápido conforme ficava mais agitada, e chorando, ela disse:
136. “Eu quero a minha mãe.”
137. “Falso ídolo! Falso ídolo!”, ouviam Liza e Miriam de algum lugar.
138. Yohannan chorava nos ombros de Liza, ele também queria sua mãe.
139. Miriam, Liza e Yohannan se esconderam então atrás de uma coluna do santuário, que estava inteiramente cercado por homens cobertos de preto.
140. Olhando para o pátio, Miriam não conseguiu entender como haviam tantas pessoas mortas e sem vida no chão, e mesmo assim, ouvir tantos gritos.
141. “Entreguem o Mahdi! Entreguem o Mahdi!”, gritavam os homens de preto.
142. “Cadê a minha mãe?”, disse Miriam, que queria ter gritado com urgência, mas estava tão sem forças e tão incapacitada que só pôde deixar escapar nada mais que um sussurro.
143. “A Hannah está bem! Ela está lá fora nos esperando!”, disse Liza, tentando acalmar Miriam.
144. Mas na verdade, Liza não sabia onde Hannah estava, pois ela tinha sumido.
145. “Amor! Amor!”, Miriam ouvia uma voz familiar, era a voz de Zakariya.
146. “Meu bem! Você está bem! Filho!”, dizia Zakariya, que parecia estar tão longe, e em um instante, apareceu abraçando todos os três.
147. E de repente, um jato de sangue se espalhou no rosto de Liza, um jato que veio do ombro de Zakariya, atingido por um tiro.
148. As colunas onde os quatro estavam se escondendo não mais serviria de esconderijo e os homens de preto abriram fogo para todos naquela direção.
149. Em um instante, todos os quatro saíram de trás da coluna e Miriam pôde ver os véus negros das mulheres sendo pintados de vermelho.
150. “Cadê o meu pai?”, disse Miriam para Zakariya, e tropeçando em um defunto, teve a resposta de sua pergunta.
151. Miriam viu o cadáver de seu pai debaixo de um míssel não muito grande e nem de grande potência bélica, mas poderoso o suficiente para atravessar o seu crânio como se fosse um ovo de galinha.
152. Já Yousef estava com sua cabeça cortada e seu sangue se derramava pelo sagrado chão do santuário, profanando contra um local tão divino, recebendo um sangue tão impuro.
153. Antes que Miriam levasse a mão direita até sua boca para censurar seu horror, Zakariya segura em sua mão direita e a puxa violentamente para fora, lhe arrastando pelo chão.
154. E Miriam viu dezenas de buracos na parede onde antes estava sua cabeça.
155. Miriam então dá mais um grito e começa a chorar de agonia, e desesperado, Zakariya tenta procurar de onde veio o tiro, mas não encontrava.
156. Isso pois a dor não vinha dos tiros, e então, Liza gritou: “Vai nascer! Vai nascer!”
157. “Eu sabia! Mulher! Por que não me contou?”, gritou Zakariya, puxando todas para alguma saída e evitando corredores apertados.
158. A razão disso foi um corredor que havia evitado logo á sua direita, onde cerca de 10 homens e mulheres foram encurralados e mortos ali do lado deles.
159. “Bloquearam o portão! Estamos presos!”, disse Zakariya, em desespero, ao ver que não havia saída para aquele inferno.
160. “É o fim dos tempos! É o fim dos tempos!”, chorava Miriam, lembrando do pesadelo que teve com a estrela de oito pontas.
161. Liza, porém, lhe pegou pelos braços e disse: “Controle-se, mulher! Ninguém vai morrer! Isso não acaba aqui!”
162. E um homem de preto aponta seu fuzil na cabeça de Miriam e aperta o gatilho, sem que ela pudesse reagir com um choro.
163. O homem de preto morre. Miriam sente uma queimação em sua testa.
164. Ninguém entendeu nada.
165. De repente, o pequeno Yohannan estava segurando uma arma, e em cima dos ombros de sua mãe, apontava para as pessoas sem atirar.
166. Zakariya fica desesperado, achando que seu filho poderia matar alguém inocente na confusão, mas de tão caótica que era a situação, ele decide guiar todos pelo caminho de onde veio o homem morto que tentou matar Miriam.
167. Zakariya então pega a arma do homem morto e começa a atirar em qualquer homem de preto que estivesse na frente, torcendo muito para que não estivesse confundindo as pessoas e rezando para que ALLAH protegesse o seu caminho.
168. No instinto de mãe, Miriam pegou um revólver que estava largado no chão e também começou a atirar em seja lá quem estivesse na frente.
169. “Irmã! Você não vai aguentar! Temos que ir embora!”, gritava Liza, sabendo que o menino sem nome iria nascer em qualquer momento.
170. Liza então sente um arrepio, pois um homem de preto apareceu por trás para lhe dar um tiro a queima roupa.
171. O homem, porém, começou a espumar pela boca e a se contorcer no chão em um ataque eplético.
172. Zakariya não entendeu nada quando viu os cadáveres e homens de preto girando em torno do pátio como se houvesse um furacão, mas ele bem sabe que foi isso que aconteceu.
173. Pode ter certeza que o Mahdi confirma tudo isso, apesar de parecer loucura.
174. Ela sabe que tudo isso estava acontecendo, pois era obra do próprio Mahdi.
175. Zakariya atirava e recarregava, atirava e recarregava, e assim, conseguiu liberar uma passagem para fora.
176. Liza, porém, se desesperou ao sentir que seus ombros estavam leves demais, e então, finalmente notara a ausência de Yohannan em suas costas.
177. “Filho! Filho!”, gritava Liza, pedindo para que ele reaparecesse.
178. E não é que Yohannan tinha reaparecido?
179. Uma parede foi rompida pelo jipe de Zakariya bem na frente dos três, bloqueando a passagem por onde iriam atravessar. E no jipe, dirigia Yohannan. Não, eu não estou brincando.
180. Sem tempo para perguntas, Miriam, Liza e Zakariya sobem no jipe de Yohannan, que rapidamente dá a marcha ré e manobra o volante enquanto chupa um pirulito.
181. “Aê, filhão!”, bradava Zakariya, erguendo suas mãos ao alto.
182. “Vamos, deite!”, disse Liza para Miriam, no banco de trás.
183. Enquanto Miriam se deitava e abria as pernas, ela perguntava: “Tio? O que aconteceu?”
184. “Depois a gente vê isso, Miriam”, dizia Zakariya, enquanto tirava Yohannan do volante para dirigir até o hospital mais próximo.
185. Naquele dia, nem Liza e nem Zakariya sabiam como Miriam sobreviveu perdendo tanto sangue, mas ela sabia que era obra do menino em sua barriga.
186. Após tanto tempo temendo pelo seu filho, acreditando ser algum tipo de monstro, Miriam se afeiçoava cada vez mais com o menino, e já não queria mais se livrar dele.
187. “É o meu filho, Ilizabith!”, gritava Miriam, pois sentia dores de parto cada vez mais intensas. “Ele não é um monstro! É um milagre!”
188. “Não, não vai dar!”, gritava Liza ao seu marido, “Não vai dar não!”
189. “Que não vai dar o quê, mulher!”, gritava Zakariya, que tirou uma arma da mão de Yohannan para que não fizesse nenhuma besteira.
190. Pelo retrovisor do jipe, Miriam pôde ver o santuário de Imam Reza sendo tomado por sirenes e luzes vermelhas e azuis.
191. O hospital, no entanto, estaria lotado com o atentado que se sucedera.
192. “Amor, vamos parar!”, disse Liza, enquanto ouvia mais um grunhido feroz de Miriam.
193. “Onde essa criança vai nascer, mulher?”, dizia Zakariya, olhando para o banco de trás, “Em um fodendo jipe?”
194. Calmamente, Liza disse então para sua irmã: “Vamos para casa, vai ficar tudo bem, aguente firme”.
195. Zakariya trocara de assento com Liza para que ela dirigisse e ele pudesse tratar dos ferimentos de Miriam.
196. “Onde aprendeu tudo isso, tio?”, perguntou Miriam á Zakariya.
197. “Ah, eu não aprendi apenas a fazer bolinhos no Afeganistão!”, respondera Zakariya, que tirou sua camisa e a rasgou para enfaixar o braço de Miriam.
198. E assim se sucederam os próximos minutos de agonia e pura ansiedade. Não havia qualquer estalagem ou abrigo onde os Azimi poderiam se refugiar, pois, além das altas demandas provocadas pelo atentado ao santuário, já haviam muitos turistas e peregrinos na cidade de Mexede, a mais santa do país, por conta do sagrado mês do Ramadã.
199. Por isso, qualquer lugar onde Zakariya pudesse parir Miriam seria o melhor lugar, nem que fosse no meio da estrada.
200. O nascimento do menino então aconteceria a qualquer momento e já era noite, e sem muitas opções, Zakariya decide estacionar o jipe em um posto de gasolina.
201. Rapidamente, Zakariya carrega Miriam no colo e Liza carrega Yohannan, e gritando, Zakariya pergunta por algum médico no local.
202. E haviam três frentistas na conversando no posto quando o jipe havia estacionado, acompanhados de um cachorro vira-lata que balançava seu rabo de um lado para o outro e ficava olhandinho assim pra eles todo pidão.
203. Um dos frentistas, que estava fumando encostado á parede, foi o primeiro a jogar o cigarro no chão, pisar e correr até Zakariya, que carregava Miriam no colo.
204. Bem compreensivos e bondosos, os frentistas do posto de gasolina auxiliaram a passagem dos quatro e arrumaram um balcão em uma oficina para colocar Miriam sobre.
205. Os frentistas, porém, não deixaram de ficar chocados em assistir o parto de uma adolescente tão jovem, e curioso, o vira-lata seguira todos até o balcão da oficina.
206. Liza então segura na mão de Miriam e pede para que ela faça força, e assim faz Miriam.
207. Yohannan assiste o parto e Zakariya começa a tirar a cabeça do bebê de dentro do útero da mãe, que agoniza cada vez mais em dor.
208. “Por que não chora?”, dizia Miriam, um tanto preocupada com o menino.
209. Liza então pede silêncio e acalma sua irmã, que, de repente, não precisou mais fazer tanta força, como se, lentamente, o menino estivesse saindo por vontade própria.
210. Uma força criadora dominou o corpo de Miriam, uma garota que questionou o seu poder e o poder de Deus sobre o seu corpo, o poder da criação.
211. Não a toa, quando Deus criou o mundo, disse: “haja a luz”.
212. E assim, sem mais nem menos, sem choro, Miriam deu a luz ao seu menino.
213. Zakariya enrola a criança em uma jaqueta que ali tinha com ele e os frentistas que ali estavam se emocionam com o nascimento do menino.
214. O menino então é entregue até Miriam, que o pega em seu colo e, ao olhar seu rosto, diz, molhando seus olhos:
215. “Ele… ele se parece comigo.”
216. E de fato, o menino era á imagem e semelhança de Miriam.
217. “Retinto e de olhos claros”, disse Zakariya.
218. “Como a luz do luar”, disse Liza.
219. “Primo!”, gritou Yohannan, em alegria, o que fez todos rirem.
220. Em uma mistura de riso e choro, Miriam mal pôde descrever o que sentia ao ver o menino dos seus sonhos, um menino que sabia que seria destinado a coisas grandes.
221. E se lembrando do que havia dito antes, sobre seus temores e medos sobre a criança, Miriam diz ao menino:
222. “Não vou deixar que ninguém lhe amaldiçoe ou lhe deseje o mal, meu filho”, e Miriam mal conseguia prosseguir com suas palavras, pois engasgava em emoção.
223. “Você vai quebrar a maldição do meu pai, você vai ser grande, você será amado, tão amado…”, e engolindo o choro, Miriam abraçou o menino.
224. E o menino, que não entendia nada, apenas tocou o rosto de Miriam com suas leves mãozinhas gordinhas de neném.
225. Olhando nos olhos brilhantes de sua mãe, o menino começou a sorrir e a rir, fazendo Miriam sorrir de volta a ele.
226. “E qual vai ser o nome do menino?”, perguntou Zakariya.
227. Um grande silêncio é instaurado na sala, pois ninguém se julgava digno de sugerir um nome ao filho de Miriam, e então, ela própria recorda a história de Liza:
228. “Seu nome será Kaled, pois será imortalizado pelo seu legado, pois há de viver por muitos e muitos anos e todos os povos da terra hão de ouvir o seu nome”, disse Miriam.
229. “Kaled…”, disse Liza, se emocionando.
230. “Eu te amo, Kaled”, disse Miriam ao seu filho, Kaled, lhe dando um beijo em sua testa.
231. E todos em volta se alegravam e se emocionavam com o nascimento de Kaled, que ocorreu justo em um posto de gasolina, de tantos lugares no mundo.
232. Liza, porém, chorava e se afastou para dar um tempo á sua irmã, pois sabia que essa relação entre mãe e filha não poderia durar por muito tempo.
233. E essas foras as palavras do Mahdi aos seus seguidores.
Página anterior | Próxima página