KALED É O MAHDI!

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IX. A Experiência

1. Assim disse o Mahdi:

2. Desde a visita de Kwina, Desta e Valentin até a casa dos Navid, se passaram então mais alguns anos.

3. O menino Kaled Navid crescia, ficando mais alto e ganhando cabelos cada vez mais cacheados, como os cabelos de um anjinho.

4. A franja e os cachos cobriam suas sobrancelhas e sua estrela de oito pontas, que por vezes brilhava por debaixo da pele, apesar de com menos frequência.

5. E mesmo um pouco mais mocinho, não largava o cachecol de seu pescoço, cachecol este que já não se arrastava pelo chão como antes.

6. Aos 5 anos de idade, Kaled já não era mais um bebê, e por isso, passou a frequentar o jardim de infância para que pudesse aprender e socializar com outras crianças.

7. Na creche, Kaled gostava de se divertir com brinquedos de empilhar blocos e ordenar cores, mais do que os demais, pois preferia brincar sozinho com sua própria imaginação.

8. Apesar dos esforços das professoras de fazê-lo brincar com os demais, a interação social entre Kaled e as outras crianças não parecia funcionar, não só porque o menino não se interessava nos outros, mas porque os outros tinham um certo medo do garoto.

9. Havia algo de estranho no comportamento de Kaled, segundo o que diziam as professoras aos pais da criança, ele era “certinho demais”, nunca fazendo bagunça ou arrumando confusão.

10. Apesar de ser algo bom inicialmente, a professora apontava que a bagunça era essencial para o desenvolvimento humano, e se Kaled era recluso demais, poderia ser sinal de um comportamento apático e até mesmo anti-social.

11. Quando os pais de Kaled perguntavam se ele havia feito amigos, ele afirmava que não precisava de amigos, pois já tinha um melhor amigo que sempre brincava com ele.

12. Animados, perguntavam se esse amigo brincava com ele na creche, e Kaled dizia que brincava com ele em todo lugar, assim, ele não se sentia sozinho.

13. Kaled brincava com seu amigo no quarto, na sala, na creche e, claro, no jardim, onde mais adoravam estar, entre as plantas e as flores.

14. Confusos, perguntaram então quem era esse amigo, que já imaginavam se tratar de um amigo imaginário, e Kaled respondeu que esse amigo se chamava Sariel e tinham asas enormes e olhos por todo o corpo.

15. Kaled dizia que Sariel lhe contava histórias sobre os 7 céus e as 7 camadas do inferno, sobre anjos que desobedeciam as ordens de Deus e sobre demônios que se arrependiam de seus pecados, além é claro de todas as vezes em que seres humanos pediram sua ajuda para algum de seus vários interesses egoístas, numa tentativa de pertubar o equilíbrio da natureza e a ordem natural das coisas.

16. E rindo, Kaled contou que, uma vez, um homem bêbado e suicida invocou o anjo Sariel para que recuperasse sua ex-esposa para restaurar seu casamento falido e trazer de volta a guarda de seu filho, e assim foi feito, mas como pagamento do anjo, tanto a esposa quanto o filho foram acometidos por um câncer cerebral e viveram para sempre em estado vegetativo.

17. Casper e Roxanne preferiram não saber mais sobre o amigo imaginário de Kaled.

18. Os pais então dedicaram um pouco mais de tempo com o filho para levá-lo ao parquinho da cidade afim de conhecer e brincar com as outras crianças nos escorregas e nas gangorras.

19. O brinquedo preferido de Kaled era a cadeira de balanço, pois pedia para que seu pai ou sua mãe lhe balançasse para sentir o vento batendo em seu rosto e em seu cachecol em torno do pescoço.

20. E após brincarem um pouco com o filho, os pais se sentavam em um banco para conversar, enquanto o observavam brincar sozinho.

21. Percebiam que, de fato, assim como na creche, o menino Kaled não interagia com as outras crianças, pois as outras crianças não interagiam com ele.

22. Contrariando o pensamento das professoras do jardim de infância, contudo, os pais percebiam no olhar e no caminhar do filho que ele não ficava sozinho por opção, pois se sentia solitário.

23. E então, observaram uma garota ir até ele para lhe empurrar na cadeira de balanço, e então, Kaled saiu da cadeira para deixar a outra criança brincar também, dessa vez a empurrando.

24. A tentativa de trazer maior interação de seu filho com as demais crianças funcionou, afinal, pois o menino já não brincava sozinho com seus desenhos na areia e brincava de pega-pega com as crianças.

25. Em momentos de compaixão com os demais, Kaled sempre conseguia encontrar algum brinquedo enterrado na areia do parquinho e dava de presente para algum coleguinha, que se abraçavam e dividiam o brinquedo.

26. Roxanne percebia, porém, que não haviam brinquedos enterrados no parquinho e, de alguma forma, Kaled parecia criá-lo da própria areia.

27. Casper ria, chamando-o de “o menino da areia”.

28. Em casa, Kaled realizava todo tipo de atividade para ocupar o seu tempo, desde treinar a ney, sua flauta persa, a ler os vários livros dos mais variados assuntos que haviam na estante.

29. Como o habitual, Kaled gostava apenas de ler os livros de ficção e de fantasia das mais diversas culturas, como histórias da China, da Índia, do Egito, da Alemanha e da Grécia, mas após sua curiosidade lhe vencer, passou também a ler livros acadêmicos e de outros assuntos que haviam na estante, desde aconselhamento sobre paternidade até enciclopédias sobre astronomia e medicina.

30. Qualquer um que observasse Kaled de longe poderia deduzir que era um menino genial e com um dom acima da média, o que de fato era verdade, mas não podemos deixar de fora que, no início, Kaled não entendia nada além das figuras e levou muito tempo para que ele compreendesse o que estava lendo, afinal.

31. Kaled enxergava beleza e magia nos assuntos científicos e em temas tão chatos para muitos, mas que lhe despertavam tanto interesse.

32. Se perdia na imaginação e nos mistérios da natureza e do universo quando lia sobre a sequência de Fibonacci, a teoria dos autômatos, a teoria da relatividade restrita, o modelo atômico de Schrödinger, o campo eletromagnético, as eras geológicas e o funcionamento do ácido desoxirribonucleico.

33. Os livros lhe despertavam um grande interesse em descobrir a verdade inefável sobre o universo, e somado á leitura do próprio Alcorão, a curiosidade parecia ser a chave para o conhecimento e a iluminação, e por isso, Kaled nunca deixou de ser curioso desde então.

34. Além dos livros, Kaled também gostava de ouvir música, sempre mexendo no toca-discos de seu pai e fuçando alguns discos de vinil de grandes artistas, como Viguen Derderian, para tentar imitar sua cantoria na ney, sua flauta persa.

35. Durante este tempo, o autodidata Kaled havia aprendido a tocar sua primeira melodia própria e autoral, que era mais ou menos assim:

36. Nananana na, nananana na, nanana na, na, nanana na, na, na, na, na, nanananananananana, nananana, na, na, nanana.

37. Gabriela achou melhor eu parar de tentar escrever músicas instrumentais daqui em diante.

38. E apesar das críticas dos pais, Kaled também assistia televisão, onde podia ouvir e ver as notícias do mundo relacionadas á política, economia, a criminalidade e o ativismo em seu país.

39. E sorria quando podia ver o seu próprio pai na TV, pois Casper deixou de ser colunista e fora chamado para retornar á sua posição de repórter para trazer as notícias da manhã.

40. Foi na televisão que Kaled pôde entender melhor quais eram os problemas que haviam no mundo, pois assistia protestos das sufragistas pelas ruas de Teerã e discursos inflamados de ditadores com sede de poder.

41. Graças a esse conhecimento, teve interesse em participar de uma conversa que sua mãe estava tendo com suas amigas, durante um encontro de mulheres após um protesto realizado nas ruas.

42. Parado perto da sala de estar, pôde ouvir uma das amigas de sua mãe dizer: “Não gosto do que esses franceses estão falando nos jornais, querendo falar em nosso lugar sobre o hijab”.

43. Sua mãe, Roxanne, havia lhe respondido: “Entendo o que estão tentando fazer, tem boas intenções sim, mas proibir? Me diga em que ocasiões proibir alguma coisa deu algum progresso?”

44. “Eles acham que somos prisioneiras do que vestimos”, dizia Samira, “Também gosto de vestir meu hijab para ficar bonita e não me aparecer muito para os estranhos”.

45. E Roxanne dizia: “Só não gosto da lei xária nos obrigando a vestí-lo, para ser sincera. Sempre os homens mandando no que as mulheres devem ou não vestir”.

46. E uma amiga então dissera: “Por que a necessidade de multas e polícia para fiscalizar o meu cabelo? Não vejo os homens se fiscalizando uns aos outros dessa maneira.”

47. Se intrometendo na conversa então, Kaled perguntou: “Mamãe, por que você não está mais usando hijab?”, isso pois, dentro de casa e entre as amigas e conhecidas, as mulheres iranianas não precisavam vestir o hijab, embora muitas continuassem vestindo por costume ou por gosto.

48. E calmamente, Roxanne lhe respondeu: “Ora, filho meu, minhas amigas não são estranhas, então não há problema em removê-lo dentro de casa”.

49. Fazendo outra pergunta, o menino então perguntou: “Mamãe, por que as mulheres tem que usar hijab?”

50. As mulheres então se voltaram para Kaled, interessadas no próprio interesse do menino no assunto.

51. “A gente não tem que fazer nada, meu querido”, dizia Roxanne, “Gosto de vestí-lo porque me protege do calor e da poeira, porque me deixa bonita e porque eu gosto, e isso é o que importa”.

52. “Mas os homens não usam, mamãe”, dissera Kaled, “eles não podem usar?”

53. E rindo, Samira dissera: “Nada impede”, o que fez todas as mulheres rirem, exceto por Kaled, que não entendia direito o que estava acontecendo.

54. Por sugestão de outra amiga, Roxanne pegou um hijab preto bem longo para o tamanho da criança e vestiu o menino com a vestimenta, o cobrindo da cabeça aos pés.

55. E com a roupa negra folgada lhe cobrindo todo seu corpo e se espalhando pelo chão, as meninas achavam graça da situação, enquanto o próprio Kaled sorria para as demais.

56. Foi nesse momento que Casper havia retornado em casa, um tanto exausto e preocupado.

57. Roxanne então lhe perguntou como fora seu expediente, o que ele reclamava e dizia não ser tão animador.

58. “Cortaram toda minha reportagem”, dissera Casper, se jogando em uma cadeira, “meu chefe não quis incluir o protesto das feministas no jornal”.

59. “Que absurdo!”, dizia Samira, “os cidadãos de Teerã não podem saber da verdade?”

60. “E o pior é que não foi por falta de interesse”, disse Casper, se referindo ao seu chefe, “uma cobertura dessa renderia muitos pontos de audiência, mas o presidente não ficaria nada contente, muito menos o aiatolá Farfahan”.

61. Roxanne compreendia bem a dinâmica de trabalho do marido, além de vários riscos que tomava, pois também fora com Casper à viagens para cobrir reportagens e fotografar os momentos, convivendo então com todos os demais jornalistas.

62. Em uma dessas viagens, Roxanne e Casper haviam feito amizade com um grande e velho amigo chamado Aurang, que era corajoso e gostava de se aventurar por diversos países e tomar decisões arriscadas.

63. Graças à tamanha ousadia, Aurang conseguira uma reportagem exclusiva com líderes do Astarã, um grupo em ascensão no Afeganistão, mas essa mesma ousadia também lhe custou sua liberdade quando cobriu o nascimento de um suposto Mahdi no hospital de Mexede, viajando até o British Museum para explicar o milagre por trás do nome escrito em um pedaço de parede.

64. “Ainda clamamos por justiça”, dizia Casper, se referindo à prisão de seu velho amigo Aurang, “este país não é nada acolhedor para o jornalismo. Me preocupo com meu filho, tendo que assistir tudo o que o presidente Faris manda nessa maldita televisão”.

65. Casper se preocupava que seu filho não tivesse senso crítico ou discernimento das coisas, mas logo se despreocupou quando viu o menino, por baixo de um hijab negro comicamente largo, perguntar ao pai se o petróleo era feito mesmo de dinossauros.

66. E sorrindo, Casper disse que o petróleo era sim feito de ossos de dinossauro de milhões de anos atrás. Com brilho nos olhos, Kaled perguntou se haviam dinossauros no Irã, o que seu pai lhe respondeu animado que haviam dinossauros muitos antes do Irã ser o Irã.

67. Querendo saciar sua curiosidade sobre o petróleo, Kale então perguntou ao pai o que era a OPEP.

68. Confuso, ele perguntou de onde viu isso, e Kaled lhe mostrou então um livro de história e geopolítica que fazia menção à Organização Mundial dos Países Exportadores de Petróleo, cuja tinha, além do Irã como país fundador, o Iraque, o Kuwait, a Arábia Saudita e a Venezuela.

69. E o chamando para sentar no colo, Casper explicou que a OPEP servia para regular os preços do petróleo que seus países produziam para vender ao resto do mundo, e todos os 5 países fundadores teriam de votar para fazer os reajustes.

70. “E a OPEP é um cartel?”, perguntou Kaled, inocentemente, ouvi falar que a OPEP é um cartel porque manda em tudo no petróleo e no preço do barril”.

71. E rindo, Casper lhe respondeu, com a resposta na ponta da língua: “Ora, filho, os ocidentais chamam a OPEP de cartel porque não são eles quem tem o poder sobre o petróleo, mas houve um tempo em que era diferente, pois as 7 irmãs é quem controlavam todo o petróleo do mundo, nos afundando em dívidas e causando guerras e destruição”.

72. “Uau, 7 irmãs?”, dissera Kaled, “Como os 7 arcanjos de Deus?”

73. “Tá mais para os 7 príncipes do inferno”, disse Casper, fazendo com que todos na sala explodissem em risadas.

74. Kaled não sabia se a OPEP era do bem ou do mal, talvez estivesse acima do bem e do mal, como no livro que havia lido, ou talvez era seu pai quem dizia que ela era do bem e os outros diziam que era do mal.

75. Por conta própria, Kaled decidiu pensar que a OPEP não era nem do bem e nem do mal, apenas pensava em si mesma, pois só servia para os países ganharem dinheiro.

76. Os pais percebiam que a curiosidade de Kaled crescia cada vez mais, pois havia chegado a fase da infância em que Kaled dizia “por que” repetidas vezes.

77. Certa vez, Kaled se aproximou do pai, que estava escrevendo uma matéria para o jornal em seu computador pessoal.

78. Kaled perguntava: “Papai, por que o céu é azul?”, e papai respondia: “por causa dos elementos químicos na atmosfera”, e então, Kaled perguntava: “Por que tem elementos químicos na atmosfera?”, e então, papai respondia: “Porque tudo é feito de elementos químicos”, e Kaled perguntava: “Eu sou feito de químicos?”, e papai respondia: “Sim, você é feito de vários elementos químicos”.

79. Para saciar a curiosidade, Kaled lia um livro de ciências e estudava sobre a química e a alquimia do Segredo da Criação e autores como Jabir ibn Hayyan e Abu Bakr al-Razi, progredindo então para autores como Mendel, Mendeleev e Curie.

80. E voltando para as usuais perguntas, Kaled dissera ao pai: “Papai, as estrelas também são feitas de elementos químicos?”, e o pai respondera: “Sim, filho, as estrelas são feitas de hidrogênio e hélio”, e o menino perguntara: “E Deus, é feito de hidrogênio e hélio?”

81. Confuso, o pai parou o que estava fazendo para dar atenção ao menino, tentando achar uma resposta: “Não, pois foi Deus quem criou os elementos químicos”. Kaled pergunta então se Deus criou o ouro e a prata, e o pai diz que sim, e então, Kaled pergunta se o ouro veio do sol, o que logo Casper associou com os contos dos incas e astecas que Kaled andava lendo demais.

82. Achando graça, Casper disse: “Não, filho, o ouro veio debaixo da terra”, o que Kaled diz: “Não papai, o ouro vem do sol, pois o ouro é feito de elementos químicos, assim como o sol, que é uma estrela. Todos os elementos químicos vieram das estrelas, quando o mundo foi criado”.

83. Sem saber o que responder, Casper pergunta: “Então está me dizendo que você é uma estrela?”, e alegre, Kaled respondia: “Sim, papai, todos nós somos estrelas e viemos do céu, e nós não conseguimos viver sem as estrelas, pois a luz do sol é o que dá vida para as plantas e as plantas dão vida aos animais. Eu li isso num livro e isso se chama fotossíntese!“

84. Impressionado, Casper dizia: “Uau, que legal filhão”, mas Kaled não havia parado de falar.

85. “A luz é a coisa mais rápida que existe no universo, pois tudo está se mexendo e aí nada é mais rápido que a luz, a mesma luz que Deus criou no primeiro dia! Como nada é mais rápido que a luz, todas as coisas se moldam em torno dela, e por isso que existe gravidade e dilatação temporal do espaço-tempo!”

86. O menino não parava de falr, e se perdendo um pouco, Casper já não estava mais compreendendo o que ele queria dizer.

87. “…pois existem quatro forças fundamentais do universo, tipo os 4 elementos, e as 4 forças são o que unem todas as coisas em um só lugar, graças às partículas fundamentais da matéria e os campos quânticos, que são tipo planos cósmicos onde as partículas caminham como se fossem ondas de energia espacial, e as coisas só tem peso por causa de uma partícula que tem um campo quântico que prende as outras partículas, que andam todas muito rápido. Mas como existe essa partícula, as coisas ficam pesadas e ficam paradas no lugar.”

88. Kaled estava basicamente profetizando a partícula de Deus e falava do bóson de Higgs antes de Higgs provar a existência do bóson de Higgs.

89. CARAMBA PEDRO! PARA DE ESCREVER NO MEU LUGAR! SACO!

90. Onde eu estava mesmo?

91. Querendo ler todos os livros que haviam na estante, Kaled havia lido certa vez um livro que acreditava ser sobre o grande profeta do zoroastrianismo, mas em vez disso, leu um livro sobre o eterno retorno de si mesmo e um homem que estava acima do bem e do mal, ditando as próprias regras e traçando seu próprio caminho, como um viajante do deserto.

92. Mesmo tão novo, Kaled já parecia compreender o cerne da mensagem do autor, que falava sobre camelos, leões e crianças, mas antes que pudesse continuar sua leitura, seu pai, Casper, lhe tomou o livro, dizendo que não era um livro para crianças.

93. E o menino se questionava o que era e o que não era para as crianças verem, afinal.

94. E em sua rebeldia, desobedecia aos próprios pais, tornando a ler livros de sabedoria oculta ao seu alcançe em sua sede por conhecimento.

95. Mas ao coração do menino lhe pesava a consciência quando desobedecia os pais, indeciso se estava fazendo algo certo ou algo de errado, questionando o que era certo e errado, o que era bom e o que era ruim.

96. Assim sendo, mesmo lendo os livros de gente grande contra a vontade dos pais, Kaled sempre devolvia os livros e lhes pedia perdão, o que já não se tornou mais necessário após um tempo.

97. Não haviam restrições á leitura da criança, os pais só estavam preocupados se Kaled iria rasgar ou destruir seus tão preciosos livros.

98. Afinal, não haviam se esquecido da vez em que Kaled havia ateado fogo em um monte de folhas rasgadas do sagrado Alcorão para tentar fazer uma pira zoroástrica dentro de casa.

99. Quase faltou aos dois desmaiarem no chão ao ver tamanha heresia, mas inocentemente, Kaled dizia que as folhas precisavam ser do Alcorão, pois eram sagradas e suas cinzas trariam boa fortuna e bençãos ao lar.

100. Roxanne praguejava contra os três viajantes no aniversário de seu filho, que lhe colocaram na cabeça que acender incensos e esfand era algo legal de se fazer o tempo todo.

101. Roxanne também se preocupava com tanta curiosidade de Kaled, e quando fazia muitas perguntas para a mãe, ela dizia: “a curiosidade matou o gato”, para que assim ele não fizesse tantas perguntas.

102. Isso pois, além da inusitada pira zoroástrica que quase incendiou a mansão dos Navid, Kaled fazia vários experimentos arriscados como colocar garfos em tomadas, enfiar bolas de alumínio em microondas, fazer foguetes com explosivos e dinamite e criar a própria bomba de hidrogênio caseira com maizena e Javascript.

103. Quase sempre, Casper salvava a pele do menino e lhe instruía a não fazer coisas perigosas, mas todas as advertências que Kaled ouvia de um ouvido saíam do outro.

104. Kaled fazia todos esses experimentos, pois sonhava com o futuro e com os avanços tecnológicos, e também acreditava que precisava experimentar tudo para que descobrisse a verdade sobre o universo.

105. Mas certo dia, após Kaled sonhar que era um anjo que voava pelos céus e entre as montanhas de Elbruz, a mãe viu o menino tentar saltar do alto da varanda da mansão para saber se podia voar. Ela gritou com a menino para que parasse com aquilo imediatamente.

106. Enquanto Casper corria até a varanda para segurá-lo por trás, a mãe distraia o filho com palavras de aconselhamento: “Não precisa experimentar tudo o que há de bom e de ruim no mundo para sabe o que é bom e o que é ruim, Kaled! Por isso as pessoas escrevem livros, para as pessoas não repetirem os seus erros!”

107. Kaled, porém, perdido em sua imaginação, dizia que iria voar até o sol, de onde veio, pois é uma estrela e estrelas ficam no céu.

108. Jogou-se então da varanda com uma pipa gigante que havia construído, bem na hora em que Casper iria agarrá-lo.

109. E debaixo da varada, no jardim dos Navid, Roxanne pôde ver a estrela de oito pontas brilhando na testa de Kaled, e por um breve momento, ficou surpresa ao perceber que ele estava “caminhando no ar”.

110. Voando no céu, Kaled sorria de alegria, dizendo que estava certo aquele tempo todo e que seu experimento iria provar para todos os cientistas do mundo que eles estavam errados.

111. Quando olhou para baixo, porém, Kaled sentiu medo de altura e começou a balançar as pernas apavorado, querendo pousar no chão.

112. Uma tempestade estava se aproximando, e então, uma forte ventania bateu no jardim e a pipa começara a se descontrolar, voando e girando para todos os lados.

113. “Faça alguma coisa, Casper!”, gritava Roxanne, mas Casper nada podia fazer senão segurar a linha da pipa gigante nas costas de Kaled, onde o menino segurava firme.

114. Após gritar muitos gritos de medo e pavor, o ventania então cessou e a pipa mergulhou para baixo, fazendo Kaled cair em cima da grama e se machucar.

115. Se machucando, Kaled não só percebeu que estava errado em sua teoria, como também chorou de dor quando viu seu joelho sangrando.

116. “Papai! Mamãe!”, chorava Kaled, e então, os pais o alcançaram e o levaram de volta á sala de estar, onde deitaram o menino no sofá e Roxanne lhe aplicava merthiolate no joelho, um medicamento que ardia muito.

117. E dando sermão na criança, o pai lhe dissera: “Viu só, Kaled? Eu te disse que você não podia voar, estava escrito nos livros de ciência!”

118. E tentando se explicar, Kaled dizia: “Eu queria saber se era verdade mesmo, papai! Eu só acredito nas coisas quando eu vejo!”

119. Ambos pai e mãe haviam se decepcionado com tamanha ignorância da criança, que sempre fora tão inteligente e letrada.

120. E lhe dando palavras de sabedoria, Casper lhe dissera: “Nem sempre você precisa ver para crer, meu filho”.

121. Kaled então perguntou: “Como assim? Eu não preciso de provas para acreditar nas coisas?”

122. “Claro que precisa!”, Casper prontamente disse, com medo do filho interpretar a frase de maneira equivocada, “mas outras pessoas já provaram antes de você, filho meu. Não menospreze o esforço e a dedicação dos demais”.

123. Kaled então percebeu que o conhecimento do universo e da natureza era algo que era construído por todas as pessoas, juntas e unidas, e não iria descobrir tudo sozinho.

124. “Agora que você quis dar uma de sabe-tudo, tá aí, chorando com machucado na perna”, dizia Roxanne, que aplicava o remédio no machucado do filho.

125. Roxanne então olhara para Kaled e percebera que seu experimento fracassado poderia ter lhe desanimado das coisas de sua imaginação, afinal, bem sabia que seu filho era imensamente inteligente e sonhador, e tudo o que queria era transformar seus sonhos em realidade.

126. “Filho, não há nada de errado em aprender”, disse Roxanne, lhe passando a mão na cabeça, “mas não tente fazer nada que seja perigoso para você apenas para matar a curiosidade”.

127. “Sim, você não sabe de tudo e não tem como saber”, disse Casper, “você também precisa ouvir os seus pais, pois só queremos o seu bem”

128. “Eu não entendo”, dizia Kaled, “eu não fiz mal para ninguém”.

129. “Mas fez mal para si mesmo, e isso nos machuca”, disse Roxanne.

130. “Como assim?”, perguntou o filho para a mãe, “eu caí no chão, mas são vocês que estão machucados?”

131. “Claro, filho”, disse Casper, que acendia a lareira da sala de estar, “quando outras pessoas se machucam, nós nos machucamos também, e quando outras pessoas ficam felizes, nós também ficamos”.

132. “Isso é que é amor?”, perguntou Kaled.

133. Roxanne então deu um beijinho no joelho do menino, dizendo que já ia sarar, enquanto Casper lhe dava cafunés na cabeça.

134. “Sim, isso é amor, meu filho”, dissera Roxanne, lhe dando um beijo na testa.

135. “Desculpa papai, desculpa mamãe”, disse Kaled aos pais, “eu não vou mais fazer isso”.

136. E com a mãe lhe chamando para uma abraço, Casper e Roxanne abraçaram Kaled, lhe oferecendo todo o carinho e atenção que uma criança merece neste mundo.

137. “Te amo mamãe, te amo papai”, dizia Kaled, com seus olhinhos fechados.

138. Como chovia do lado de fora da mansão, o som das gotas de chuva no telhado logo trouxeram conforto aos pais e ao filho, que adormeceram todos abraçados no sofá, iluminados pelas quentes labaredas da lareira da sala.

139. E essas foram as palavras do Mahdi aos seus seguidores.

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Feito com amor por Pedro Vasconcellos - 2008