KALED É O MAHDI!

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IV. A Anunciação

1. Assim disse o Mahdi:

2. O matrimônio forçado entre Miriam e Yousef havia de chegar, selado pelo escambo entre o amor de Miriam e 30 moedas de prata.

3. E por 30 moedas de prata, queremos dizer um alto valor, pois Ramakrishna, que vos fala desconhece o valor de uma moto XLR320 em rial, com ajuste à inflação naquele tempo.

4. Pedro havia feito cálculos matemáticos para trazer um valor exato de uma moto XLR320 em rial, com ajuste à inflação pré crise financeira global de 2008, contudo, Ramakrishna não irá incluir esse valor no livro sagrado que aqui escrevo.

5. Pois, como todos hão de saber, não é necessário descrever com precisão os fatos que aqui são registrados. Isto é um livro espiritual sagrado e muito importante, não um livro de matemática, neeeeeeeeeeeeeeeerd.

6. Perdoem minha imparcialidade na escrita, hei de recomeçar esta surah novamente.

7. Assim disse o Mahdi:

8. O matrimônio forçado entre Miriam e Yousef havia de chegar, selado pelo escambo entre o amor de Miriam e um valor muito elevado em rial.

9. Enquanto a família de Miriam celebrava o casamento prematuro de Miriam, a própria garota não se sentia alegre ou realizada.

10. Na verdade, nem mesmo Yousef estava tão contente com este matrimônio, pois, para Yousef, tanto fez, tanto faz, desde que estivesse casado de acordo com a lei xária, a lei de ALLAH.

11. Pelo menos, a lei dos que acreditavam acreditar na crença.

12. E seguido o rito do baleh boran, Yousef fora a passear com Zakariya e os pais de Miriam pela cidade a comprar decorações, organizar a cerimônia e entregar cartas de convite de casamento aos mais de 40 convidados para a festa para anunciar o casamento.

13. Além da anunciação do casamento de Miriam, também era anunciada pelas ruas a vinda de um suposto profeta messiânico, nascido em Mexede e destinado a servir ao povo de Deus e libertar seu povo da opressão.

14. Em fofocas e conversas pela cidade, podiam-se ouvir pessoas anunciando que o Mahdi se chamava Yohannan, e este seria destinado a coisas grandes.

15. Assim, Hannah e Zakariya conseguiram acidentalmente convocar mais convidados ao casamento, convidados estes que não demonstravam interesse em Miriam ou em Yousef, mas em Yohannan, o Mahdi.

16. Enquanto isso, Miriam ficara na casa de Liza, junto de Yohannan, ajudando a irmã a arrumar a casa e cuidando do sobrinho. Miriam já não vestia mais sua exagerada burca, pois se encontrava sozinha com sua irmã e seu sobrinho.

17. Enquanto Liza lavava a louça e assistia a novela, Miriam varria a casa com uma vassoura de cerdas de palha.

18. Em determinado momento, Miriam fizera uma brincadeira para Yohannan, subindo na vassoura e fingindo que estava montando em um cavalinho, fazendo Yohannan dar gostosas gargalhadas e imitar Miriam com uma espada de plástico entre as pernas.

19. Miriam gostava de cuidar das crianças e ser titia delas, pois era uma garota responsável e protetora.

20. “Você bem puxou isso de mim”, dissera Liza á Miriam, sua irmã, “quando você era mais nova, você fazia tanta birra quanto meu filho!”, ela recordava.

21. “Verdade, mas as crianças são desse jeito, mana”, responde Miriam, “ainda mais nessa idade, não podemos cobrar muito delas”, ela continua.

22. Liza então reflete sobre algo um tanto intrigante: “Engraçado, apesar de ser mais nova, age como se fosse a mais velha”.

23. Miriam então justifica á sua irmã: “Cuidar dos irmãos não era fácil, tive de ser como uma mãe para eles”, e Miriam se referia aos seus dois irmãos mais novos, que viviam junto com ela.

24. E Miriam continua, querendo evitar mal entendidos: “Não que eles sejam um fardo ou coisa alguma, eu gosto muito de cuidar de crianças, mesmo”, e Liza responde que admira sua paciência e dedicação para esta importante tarefa, às vezes gratificante, às vezes exaustiva.

25. “De fato, são presentes de ALLAH, quando se recebe o chamado, devemos estar preparadas”, Liza dizia, animada e lavando a louça com mais força.

26. Abaixando a voz, Miriam concordara com sua irmã, e olhando por trás de seu ombro, Liza notara que Miriam estava muito pensativa.

27. Um silêncio esquisito se seguiu, preenchido apenas por um intervalo comercial na televisão que interrompeu a novela predileta de Liza.

28. Na TV algumas vinhetas e propagandas nostálgicas para a infância do Mahdi anteciparam um repentino e inesperado plantão de notícias, o que fez com que Liza se assustasse e derrubasse um prato da pia.

29. Preocupada, Miriam vai até sua irmã e pergunta o que houve, e disfarçando, Liza riu, dizendo que achou ter ouvido algum alarme. Miriam, contudo, não riu, pois, de fato, o plantão era um alarme.

30. As duas então se viram para a televisão e escutam o jornal anunciar a tomada da capital do Afeganistão, Kabul, pelas forças mujahidins, opositoras ao governo marxista leninista do país e financiadas pela inteligência dos Estados Unidos da América.

31. Com o novo partido no poder e uma nova instabilidade no país, havia de se iniciar, novamente, uma guerra civil.

32. Espantada, Liza aponta para Miriam as ruas e quadras onde morava, agora novamente tomadas por tanques, blindados e guerrilheiros armados.

33. Yohannan, que também assistia a televisão, pegou uma arma de brinquedo e imitou as poses que alguns mujahidins faziam nas ruas, fazendo até mesmo uma marchinha de soldado.

34. Liza, não sabendo como lidar com a situação, desliga a televisão, cortando a brincadeira de seu filho.

35. Miriam, querendo oferecer espaço à sua irmã, continua a varrer o chão. A curiosidade, contudo, lhe falou mais alto:

36. “Por que você se mudou para além da fronteira?”, dissera Miriam à sua irmã, “eu senti sua falta, muita falta.”

37. “Minha mãe estava ficando doente, Miriam. Não podia deixar ela sozinha em Kandahar, ainda mais que nosso pai a largou no meio da guerra”, Liza lhe respondera.

38. “Disso eu já sei, mana, mas era só isso mesmo?”, Miriam insistiu.

39. “Olha, não quero falar disso agora!”, disse Liza, perdendo um pouco do controle, e logo depois, se desculpando.

40. Yohannan começou a chorar, pedindo pelo seio de sua mãe. Apesar de aspirante a soldado e herói, Yohannan ainda é apenas uma criança.

41. Liza então lhe pega pelos braços e lhe ofereçe a mama, reclamando com seu filho, dizendo que estava grandinho demais para isso. Mesmo novo, o fato da criança ter muitos cabelos não ajudava na aparência infantil.

42. “Vem cá, eu encontrei umas peças de roupa muito bonitas lá no shopping do centro”, disse Liza para sua irmã, “se quiser, a gente vai lá rapidinho para escolher uma que fica linda em você!”

43. Miriam balançou a cabeça e tornou a varrer o chão, ainda pensativa.

44. Liza, contudo, percebeu que tinha algo de errado com Miriam.

45. Um pouco pensativa, Liza olha para seu filho e diz: “Sei que não foi uma decisão muito inteligente, trazer Yohannan até lá”, ela se explica, “parecia que a guerra iria cessar, enfim, mas nem mesmo Zakariya teve muita fé na minha escolha”, ela falava.

46. E Liza refletia nas suas escolhas na vida, enquanto Miriam lhe encarava com um certo olhar de desconfiança.

47. Após um breve silêncio, Miriam lhe faz mais uma pergunta:

48. “Liza, você acredita em deus?”, ela diz.

49. Sem entender direito qual a intenção da pergunta, Liza pergunta o que ela quis dizer com isso:

50. “Claro que acredito, por que não acreditaria?”, responde Liza, “Deus fez a terra e o céu, protegeu á mim e minha família, me proveu o pão e meu sustento. Se tudo isso não foi por obra de Deus, de quem mais?”.

51. “Não era bem isso que eu quis dizer”, disse Miriam.

52. Confusa, Liza se aproxima de sua irmã e pergunta: “O que você quer saber, então?”

53. E sem olhar em seus olhos, Miriam diz: “Estou perguntando se você acredita nele, se confia nele”.

54. “Claro que eu confio, meu bem, confio tão cegamente quanto meu marido quando escreveu o nome de meu filho na parede daquele hospital”, ela diz, se aproximando de Miriam, que abaixava a cabeça cada vez mais.

55. Liza encarava Miriam, mas Miriam não lhe encarava de volta.

56. Após um breve silêncio, Liza lhe faz uma pergunta: “Não confia em Deus? Não tem fé em sua bondade e sabedoria?”.

57. “Tenho…”, respondeu Miriam, com a voz falhando.

58. Liza não consegue entender, e antes que percebesse, Yohannan caiu no sono, fazendo com que Liza o colocasse para dormir no quarto enquanto Miriam largou sua vassoura para se sentar no sofá da casa.

59. Liza então retornara até a sala e encontrara sua irmã, pensativa e olhando para o vazio.

60. “Quando você voltou para Kandahar, foi por que deus mandou?”, perguntou Miriam, ainda olhando para o vazio.

61. “Meu bem, isso foi uma escolha minha, não muito bem pensada, mas é assim que as coisas são”, Liza diz, “a vida não é fácil, Deus escreve direito por linhas tortas, sempre foi assim”.

62. Não se contendo, Miriam tomou coragem para deixar de olhar ao vazio e olhar nos olhos de Liza, lhe dizendo:

63. “Então você faz suas escolhas sem pensar e sem saber no que vai acontecer? Afinal, é sobre isso que é a fé, não é mesmo?”.

64. “Menina! Vou ter que te levar para ler o alcorão mais vezes!”, Liza diz, revoltada, “o que está acontecendo com você?”

65. A essa altura, as duas falavam uma por cima da outra.

66. “Se deus protegeu você e sua família, por que ele não acaba com a guerra?”, Miriam lhe disse.

67. “Você não entende! É muito nova para entender!”, Liza respondia.

68. “Você fugiu da gente!”, Miriam lhe diz.

69. “SIM! EU FUGI!”, Liza grita.

70. Miriam fica em silêncio, junto de Liza, que afunda no sofá e fecha os olhos para aliviar a enxaqueca.

71. “Eu não queria falar sobre isso agora”, disse Liza, com a mão na cabeça.

72. “Por que você fugiu indo em direção à guerra?”, Miriam pergunta, “Por que você fugiu?”

73. Ainda com a mão na cabeça, Liza suspirou e confessou:

74. “Yohannan não tem um pai.”

75. Ao ouvir nenhuma resposta de Miriam, Liza continuou: “Ninguém sabe quem é o pai de Yohannan, talvez seja daquele tal anjo pavão, não sei. Mas você sabe, Miriam, que os outros não pensam assim”.

76. Pensativa, Miriam concorda.

77. “Zakariya não foi punido por duvidar de nada”, continuava Liza, se referindo à cegueira de seu marido, “eu só estava buscando alguma resposta em tudo o que estava acontecendo”.

78. E se virando para sua irmã, batendo com a mão no peito, disse: “Deus sabe o quanto eu amo meu marido, só ele sabe. Eu não daria as costas para ele, eu não o abandonaria.”

79. “Que nem o meu pai?”, disse Miriam, pensativa e cabisbaixa.

80. Após as duas irmãs olharem para o vazio, Liza continua:

81. “Sei que sentiu minha falta, eu não queria ter te deixado com ele”, Liza desabafa, olhando para suas próprias mãos entrelaçadas e ansiosas, “também não foi fácil comigo, ficar longe da minha mãe, a minha verdadeira mãe.”

82. Silêncio.

83. "Ele também te maltratava?", Miriam perguntou.

84. “Não, na verdade, não”, respondeu Liza, que estava ficando mais e mais nervosa, “mas ele era muito inconveniente… e kooni. Muito kooni.”

85. Sentindo uma necessidade de se acalmar, Liza pega um cálice e uma garrafa de vinho e começa a beber, ponderando melhor e escolhendo melhor quais as palavras sairão de sua boca.

86. “Eu quis ser para você o que eu queria que ele fosse para mim”, disse Liza, balançando seu cálice, e prosseguiu seu desabafo:

87. “Ele fingia ser uma pessoa boa, ele fingia se importar comigo. Me levava à força para ver sua outra mulher, e tudo o que eu queria era ficar em paz com a minha mãe.

88. E depois, me usava de escudo para continuar perto da outra família dele. Eu ficava triste e chorava quando ouvia aquela mulher gritando comigo e com meu pai.

89. Mas depois de buscar por respostas e orar muito, eu percebi que ela não estava gritando comigo, eu não tinha nada a ver com nada daquilo.”

90. Liza então bebe um gole de vinho tinto de seu cálice.

91. “Pelo menos a Hannah é boazinha”, diz Miriam.

92. “Sim, meu pai não merece a dona Hannah”, responde Liza, “Não sei como ela conseguiu lhe perdoar tantas vezes, mas pelos menos, colocou aquele velho no lugar.”

93. “E o mais engraçado”, diz Liza, dando risos um tanto irônicos, “é que tudo isso me fez pensar que todos os homens eram assim. Quando era mais nova, eu jurei para mim mesma que seria virgem para sempre. Uma virgem santa”.

94. E Liza continua a rir.

95. E Liza continua a rir.

96. “Que nem a mãe Maryam?”, Miriam pergunta.

97. “Que nem a mãe Maryam”, confirma, Liza.

98. Nem mesmo Miriam consegue conter alguns risos um tanto incrédulos, sem saber como reagir. As duas riem até elas se cansarem e olharem juntos para a parede.

99. Miriam pede por um gole do cálice de Liza, o que ela afasta da mão de sua irmã, dizendo que ela não pode beber isso.

100. Miriam, porém, insiste, e então, Liza lhe oferece um pouco, pedindo para não contar para ninguém.

101. “Meu pai me disse que eu nasci depois que viu um pássaro dando uma comida para um filhote, em um ninho, numa árvore alta”, conta Miriam, “aí ele disse que minha mãe queria uma filha, e então, deus chegou para eles e disse que eu ia nascer”.

102. “Os planos de deus, não é mesmo?”, diz Liza para sua irmã.

103. “Ele também me disse que…”, e antes que Miriam concluísse, Miriam deu um gole grande do cálice que Liza lhe ofereçera.

104. “…ele também me disse que, se fosse da vontade de deus, eu teria um filho, um filho destinado a algo grandioso. Ele serviria a deus, que nem o Yohannan”, Miriam conclui.

105. “Isso é muito bom, Miria-”, e antes que Liza continuasse, Miriam lhe interrompe: “O filho de deus, o filho dos reis, o rei dos reis, ele me disse”, Miriam bebia mais um grande gole do cálice.

106. Nesse momento, Liza começou a se assustar.

107. “Quando você sonhou com o anjo pavão, ele também lhe disse que havia de chegar um novo éon?”, perguntou Miriam, que bebeu outro gole do cálice, e preocupada, Liza balança a cabeça em afirmação e tira o cálice da mão de sua irmã mais nova.

108. “Ele disse que devia ter fé em seus planos e que iria libertar o nosso povo dos nossos inimigos?”, e Miriam tenta pegar mais um gole do cálice de Liza, que afasta sua irmã do cálice.

109. Perdendo o controle, Miriam diz: “Veja bem, se deus causa as guerras, não há problema em matar as outras pessoas, não tem?”

110. Preocupada, Liza diz: “Miriam, você está me assustando.”

111. “Já houveram tantos califados, e quem mata mesmo é deus”, Liza tenta conter Miriam segurando-a pelos braços.

112. O barulho excessivo acaba acordando Yohannan, que chora, e muito alto.

113. “As mortes estão nos planos de deus, que mata é deus”, quase louca, Miriam sobe o tom da voz, ofegante, enquanto Liza ouve o choro de Yohannan.

114. “Irmã! Pare! Por favor! Pare!”, Liza implorava em desespero.

115. Yohannan havia descido de sua cama e andou até a sala sozinho, ainda chorando muito.

116. Na situação, Liza ficara muito ansiosa, tendo de lidar com duas fontes altíssimas de barulho, sua irmã e seu filho.

117. Yohannan vinha com uma espada de plástico em sua mão, pois tinha ido dormir com ela.

118. Acidentalmente, Liza acaba derrubando o cálice no chão, que não se rompera, para seu alívio e a segurança de Yohannan.

119. Seu filho porém, acabou tropeçando no cálice, derrubando sua espada e caindo de costas no chão, chorando ainda mais.

120. Muito preocupada, Liza corre até o seu filho e lhe dá colo.

121. Miriam finalmente havia se acalmado, e mesmo muito ansiosa, Liza sussurrava e falava palavras de doçura para Yohannan, prontamente lhe acalmando e fazendo ele parar de chorar.

122. Querendo trazer uma leveza ao momento, Liza diz que ele só queria colo e mais nada, porém, ao se virar para trás, vê sua irmã encolhida, em posição fetal, escondendo sua cara no sofá.

123. Liza então olhou para o chão e viu a bagunça que fizeram: o cálice estava largado no chão em uma piscina de vinho que se espalhou com o tropeço de Yohannan, e ao lado do cálice, estava a espada de plástico de Yohannan, suja de vinho.

124. Liza rapidamente olhara para seu filho e viu que ele estava todo sujo e cheio de manchas de vinho, indo buscar uma toalha para limpá-lo.

125. A mãe, porém, ficou muito pensativa e tornou a olhar para a espada suja de vinho e o cálice com vinho derramado no chão.

126. Em seguida, olhou para Miriam, que chorava em posição fetal, chorava como um bebê, uma criança.

127. Miriam colocava os braços sobre sua barriga e chorava muda de boca aberta, como se todo seu sofrimento estivesse entalado em sua garganta.

128. Liza havia entendido tudo.

129. Liza se senta no sofá com Yohannan em seus braços e faz uma pergunta para sua irmã: “Você… está-”, e antes que ela concluísse qualquer coisa, Miriam balançou sua cabeça.

130. “Eu vi uma estrela cadente.”

131. Liza, confusa, pergunta o que ela disse, e Miriam repete:

132. “Eu vi uma estrela. Eu vi uma estrela cadente.”

133. Liza e Yohannan ficam em absoluto silêncio.

134. “Ela caiu do céu e tinha oito pontas, era uma estrela de oito pontas. Antes, eu achava que era uma coisa boa, então, eu fiz um desejo”, explica Miriam, que enxugava suas lágrimas.

135. “Mas aí, a estrela caiu na terra e destruiu tudo o que viu pela frente, como se fosse um míssel. As pessoas em volta pediam socorro, corriam para todos os lados. E aí, a lua ficou negra e o dia virou noite, e tudo começou a desaparecer.

136. A lua começou a engolir tudo o que tinha pela frente, as casas, os cachorros, os carros, as crianças… eu estava com muito medo, muito medo mesmo.

137. Eu corri até um rio para poder beber água, mas a água estava suja, estava negra e oleosa, como petróleo, os peixes mortos boiavam no rio e todo mundo que bebia aquela água morria.

138. Eu olhei em volta e vi os mortos voltando a vida, como mortos-vivos, e eles marchavam em minha direção, querendo me devorar, e eu protegia alguma coisa nos meus braços.

139. Quando eu olhei pra baixo, vi que eu estava segurando um bebê, um bebê diabo, que tinha uma estrela de oito pontas na testa, que nem a estrela cadente que caiu do céu.

140. Sem saber o que fazer, eu joguei o bebê no rio, para tentar acabar com tudo aquilo que estava acontecendo, mas o bebê não se afogou. O bebê tinha saído da água suja como um homem cheio de asas e olhos por todo o corpo, e me disse para eu não ter medo.”

141. Liza, boquiaberta, não consegue pensar em nada para dizer.

142. “Eu tentei anticoncepcional, chá de artemísia, mas nada adianta”, diz Miriam, “nada adianta.”

143. Gaguejando, Liza diz à Miriam: “Como assim? Do que você está falando? Você vai se livrar do bebê?”

144. Miriam então se vira para sua irmã e diz: “Você não está entendendo, Liza. Se você deu a luz ao Mahdi, eu… eu vou dar a luz ao anticristo! Eu sei o que vi no meu pesadelo!”

145. Sem saber o que dizer ao certo, Liza pergunta: “Mas e o que o seu pai disse? Sobre a promessa de deus?”

146. E rindo, Miriam responde: “Acha mesmo que deus iria ouvir as preces justo do meu pai? Eu fui amaldiçoada! Esse bebê é um demônio!”

147. Prontamente, Liza se aproxima de Miriam e coloca a sua mão sobre a cabeça de sua irmã, com força, sussurrando orações como se estivesse realizando um exorcismo.

148. Miriam tenta se desvencilhar de Liza, tirando seus braços de sua cara, mas ela sobe o tom de voz e começa a orar mais alto e repreender as palavras de Miriam.

149. Após muita luta, Miriam consegue se soltar de Liza. Incrédula, ela diz: “Herege! Você está sendo herege! Deus tem um plano perfeito para você e você está rejeitando!”, Liza diz para Miriam, gritando.

150. “Você traiu o Zakariya e diz que são planos de deus!”, grita Miriam de volta.

151. Novamente, as irmãs falam uma por cima da outra.

152. “Eu vou te matar!”, gritava Liza.

153. “Eu não quero esse bebê!”, gritava Miriam.

154. Após muita briga que não vale a pena registrar nesses textos sagrados, Liza e Miriam se veem encarando uma à outra, ofegantes.

155. Miriam, apesar de tão jovem, encarava Liza com olhos de dor e sofrimento tão angustiante quanto as dores de sua irmã.

156. “Por que você não deixa?”, diz Miriam, ofegante. “Você sabe que nada disso é justo!”.

157. “Miriam, eu sei! Eu sei! Mas as coisas são como são!”, grita Liza.

158. “Está me dizendo que é assim que as coisas são e sempre vão ser? Injustas?”, diz Miriam, enchendo seus olhos de lágrima de novo.

159. Liza começa a ficar sem palavras ao olhar o sofrimento de Miriam.

160. Liza bem sabe que ela não queria que nada disso estivesse acontecendo, e também sabe que sua irmã não tem culpa de nada.

161. Afinal, Miriam é apenas uma criança, uma criança que só quer a sua mãe.

162. “Deus é bondoso, é…”, Liza não consegue raciocinar direito. “…ele, não é mau!”

163. Em silêncio, Miriam, com seus olhos brilhando e cheio de lágrimas, encara com Liza, que dessa vez, olha para baixo, sem saber o que dizer.

164. “Se ele não é mau, então porque ele colocou um filho em mim sem que eu quisesse?”, diz Miriam, com muita, mas muita sinceridade.

165. “Miriam… entenda, deus não estupra.”, diz Liza para sua irmã. “Ele me usou, ele…”

166. “Ah, claro. Deus te usou!”, grita Miriam, muito incrédula. “Deus ME usou! Por que eu só sirvo para dar a luz e pronto! É só isso que eu sou!”

167. Liza, gaguejando, diz: “Miriam, por favor, entenda, ele escreve certo por linhas tortas. Ele não me usou contra minha vontade, muito menos contra a sua vontade.”

168. Miriam, em silêncio, encara Liza, que agora também está com lágrimas nos olhos.

169. “Deus. Não. Estupra.”

170. Miriam derrama uma lágrima de um de seus olhos, enquanto ouve Liza tentar argumentar.

171. “Deus traz a cura e a doença. Deus dá a vida e a morte. Deus cria e destrói. Deus. Não. Estupra.”

172. Lágrimas preenchiam o olhar melancólico e ansioso por justiça de Miriam, e tremendo todo seu corpo, parecia que sua energia vingativa mal podia conter dentro de si.

173. Se aproximando de Liza, sem apontar os dedos, ela diz:

174. “Se esse bebê realmente me foi dado durante meu sono, sem que eu o desejasse, pela vontade de ALLAH, a vontade que não posso me opor, se utilizando do meu corpo como bem entende”, Miriam faz uma pausa para se conter, “tem realmente coragem de dizer que ALLAH não violou o meu corpo?”, disse Miriam.

175. E reflexiva, e ao mesmo tempo, desmontada, Liza não soube como reagir, tampouco o que dizer.

176. Liza olhara Yohannan, e após organizar pensamentos na sua cabeça, começou a questionar tudo o que estava acontecendo.

177. Mesmo incrédula com Liza, Miriam lhe abraça devagar, desabando em lágrimas e encontrando consolo, um consolo que infelizmente não encontra em ALLAH, da mesma forma que Liza.

178. E lentamente, Liza retribui o abraço, lhe dando carinhos na cabeça. Sentou-se no sofá, chamando sua irmã para seu colo. “Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem”, dizia Liza á sua irmã mais nova.

179. Miriam então sente alguns cutucões na sua coxa e vê que Yohannan também quer um abraço da sua mamãe e sua titia.

180. Voltando a sorrir um sorriso melancólico, Miriam levanta Yohannan por debaixo de seus braços e os três se abraçam, juntos, se permitindo apenas ficarem grudados em silêncio por alguns minutos.

181. Mesmo com as brigas e as desavenças, Miriam e Liza sabiam que, mesmo não tendo o pai ou as mães ao seu lado, elas tinham uma à outra, uma irmandade mais forte do que qualquer grande obstáculo ou adversidade.

182. E se aparecessem caras maus no caminho, Yohannan poderia dar um jeito nos caras maus, com toda certeza.

183. “Será que eu falo com o Yousef?”, disse Miriam para Liza, ainda abraçadas.

184. “…Miriam-”, e antes que terminasse de falar, toda a família retorna com um chute na porta da casa, fazendo muito barulho.

185. Hannah, Zakariya, Yousef e o pai das duas irmãs cantavam e anunciavam o casamento entre Miriam e Yousef, trazendo consigo um enorme bolo de casamento cheio de glacê, velas, fogos e algumas bugigangas que tocavam música.

186. Com alegria, Zakariya dizia que o bolo era obra de sua arte na confeitaria, e Hannah aparece então trazendo um belo vestido branco de casamento para sua filha.

187. Já o pai de Miriam trazia um espelho prateado e candelabros para o rito do sofreh aghd.

188. O último presente era o de Yousef, que trazia consigo um enorme, gigantesco e exagerado buquê de flores, além de muitas jóias e pedras preciosas.

189. Ao menos, aliviada, Miriam não teve seu amor vendido à Yousef por apenas 30 moedas de prata, ou rial, que seja.

190. Com o baleh boran enfim finalizado e o casamento anunciado, o matrimônio de Miriam havia de se iniciar.

191. E essas foram as palavras do Mahdi aos seus seguidores.

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